sexta-feira, 27 de maio de 2011

Criando Asas

O ano era 1989. Fazia pouco tempo que eu estava na Secretaria de Estado da Cultura e pediram que eu fizesse um material de divulgação sobre Miguel Bakun, artista plástico paranaense ,que iria ter uma sala com seu nome na sede. Na verdade a sala já existia, mas seria transferido o nome da existente na Biblioteca Pública. Uma história bonita e triste ao mesmo tempo. Pronta a matéria, depois de muita pesquisa, levei para aprovação.
Seria tudo muito fácil nesta vida se as pessoas não arrastassem os fantasmas de suas culpas, mesmo que inexistentes, pra lá e pra cá durante anos a fio. Cortaram minha matéria e fiquei de fato muito braba. Concordava com o Dr René Dotti que sempre falou que Museu não é corredor do silêncio. E além do mais fui criada por um pai que até hoje preserva a história do Paraná bem viva, sem omitir nada.
O fato, de forma muito resumida, é que Miguel Bakun tentou fazer algumas coisas na vida e não foi bem sucedido. Quando começou a pintar pareceu-lhe que as portas do céu se abriram sobre ele. Conta-se que sempre que precisava de ajuda, mesmo sem pedir, ela aparecia do nada, ou na sua concepção viria dos céus. A certa altura de sua vida artística começou a incluir imagens de santas em seus quadros sobre a natureza. Num destes salões de arte recebeu como prêmio por seu trabalho algo equivalente a uma aquarela , material para amadores. Foi o estopim para ele desencadear o próprio suicídio.
O que eu não sabia na época é que uma das pessoas que fez parte deste julgamento ainda carregava este estigma da morte de Bakun e fazia parte dos quadros da Secretaria, o que motivou o corte da minha matéria. Pura besteira, pois são diversas as variantes que levam uma pessoa a este caminho antinatural da aniquilação da própria vida. O importante é que,  apesar das trevas que cobriram o seu final, sua obra ficou e não há como negar sua importância para a cultura paranaense.
Um artista tem a sensibilidade à flor da pele e tem que saber lidar com ela, assim como o próprio médium por natureza tem.Contei a minha história não para acusar alguém, mas antes , e principalmente, para alertar sobre os caminhos que a mente pode tomar.
Tenho uma baita sorte, pelo trabalho grande que algumas pessoas tiveram neste sentido. Estou num Terreiro em que a máxima é pés no chão sempre. O foco principal é passar a mensagem, de forma clara e consciente, de que a cada dia que nasce há uma possibilidade de uma vida melhor. E os resultados positivos são óbvios. Juntos podemos ter força suficiente para ajudar as pessoas que estão nas trevas de suas dúvidas e tristezas, auxiliando-as a ter coragem e sabedoria para prosseguir. Toda religião é enigmática, pois todas trabalham com algo não-palpável que é a fé. E aí observo o quanto é importante que um dirigente de uma religião saber transmitir o foco da missão. Apesar de simples alguns a tornam complicada: fé, caridade e amor ao próximo, com disciplina e organização.
Lembro-me do Grande Mestre da Ordem Rosa Cruz, meu amigo Charles Parucker, que me falava : as pessoas têm noções erradas sobre nossos estudos antes de entrar aqui. Volta e meia , vem um tentar vender sua alma aqui no balcão da instituição, ou o que é pior, pensam que eu fico levitando o dia inteiro, enquanto na verdade tenho muito trabalho administrativo para conduzir, para que realmente os estudos sejam cada vez mais acessíveis.O triste, me dizia ele, é que algumas pessoas na vida acostumam a comer mamão passado e quando provam desta fruta no ponto certo acham ruim.
O medo excessivo e a falta de objetivos concretos fazem com que as pessoas se percam na mata fechada de seus pensamentos. Líder religioso que só fala em desgraças e perseguições está fadado realmente a elas. Médium que não se une a uma corrente, a uma egrégora forte e com foco se perde em devaneios produzidos pela própria mente. Não se deixe levar por "achismos" e concentre suas forças em seu próprio caminho, buscando sempre o entendimento e o conhecimento. No final é a obra que você deixou nesta terra, seja ela concreta, no sentido material, ou espiritual, no sentido de repassar a sua sabedoria aos que são próximos.
Vou deixar aqui hoje um trecho do livro Mãe,  um dos trabalhos mais importantes do escritor revolucionário russo Máximo Gorki, escrito em 1907. Creio que é quase uma prece e talvez aqui juntos possamos entender isto como um objetivo palpável para a vida:
"... Sei que tempo virá em que os homens amarão uns aos outros, em que cada qual será uma estrela para o outro! Existirão na terra homens independentes, grandes por sua liberdade, de corações abertos, isentos de inveja ou de ódio. A vida, então, será um culto ao Homem e sua imagem será elevada para muito alto; Aos libertos, todas as alturas são acessíveis! Os homens viverão na verdade e liberdade para a beleza, e, serão considerados melhores aqueles que conseguirem abarcar melhor o mundo, com seus corações. Aqueles que o amarem em maior profundidade; os melhores serão os mais libertos, pois têm mais beleza! Serão grandiosos os homens dessa vida...”


Dedico este post a todos que estão buscando a verdade sobre si mesmos, em especial ao Marcelo Soares. Confio em ti menino!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sinfonia de Xangô

Um cão uivando incessantemente e  uma noite mal-dormida. O tal cão foi um destes que resolveu nos dois últimos dias adotar o sítio como lar. Enorme, nem se incomodou com os outros daqui, que tentavam expulsá-lo de qualquer jeito. Dormiu na porta da minha casa. Por uma destas coincidências, telefonamos para um vizinho nosso, que mora a uns quinhentos metros e ele nos pergunta se vimos um cão perdido. Veio correndo buscá-lo.
O Ernani tem uma Ong e cuida sozinho de 430 cães. Sabe o nome e a história de cada um. E vai atrás dos fujões. No caso de Sansão , é doente e toma remédios para sua doença neurológica. Há exatos nove anos.
Devoção. Não tenho outra palavra para o Ernani.O que dita isto na vida das pessoas? O que faz com que elas fiquem irremediavelmente felizes no que devotam sua vida? Poderia falar sobre o Butão, país apresentado pelo Globo Repórter na sexta, onde a felicidade é mais importante que seu PIB. Não seria eficaz, porque eles estão em outro plano, numa plataforma espiritual diferente da brasileira.
Liberdade sempre foi , no meu entendimento, sinônimo de felicidade. Liberdade de ser o que se é, de se expressar livremente. Fumar maconha na frente dos filhos não é liberdade de expressão, conforme queria convencer um pai que participou de uma marcha neste fim de semana em Curitiba. Curiosamente, houve outra marcha também nesta cidade no mesmo fim de semana: a marcha para Jesus. Gandhi , em sua iluminada existência, falava que se os cristãos o fossem 24 horas por dia ele seria um também. Não estou criticando os evangélicos, mas se todos os religiosos de todas as religiões realmente colocassem em prática suas experiências espirituais nos campos do amor ao próximo, respeito e caridade as coisas seriam melhores.
Estamos tão envolvidos no processo incessante de ter, que deixamos de ser. A necessidade incessante de estar num nível superior material faz com que as constantes denúncias de corrupção explodam , desde as pequenas cidades aos grandes centros. O medo da realidade diferente fazem as drogas tomarem o mundo e os jovens cada vez mais serem consumidores também de antidepressivos. Apesar de sabermos disto, de ser uma coisa óbvia, ninguém se dispõe a parar o processo e perceber a encruzilhada que está sob seus pés.
O óbvio nunca foi uma resposta satisfatória . É um lugar comum ao se falar que Xangô, que cuida da Justiça Divina, alguém vem sempre lembrar que todos os orixás são justos.Xangô cuida do ritmo da vida e este ritmo é dado pelo livre arbítrio de cada um. Sou um pouco responsável pelas vidas que se esvaem nas drogas e na corrupção. Cada um de nós é. Cada vez que senta alguém na minha frente no Terreiro implorando para que as entidades auxiliem a afastar seus familiares ou a si próprio das sombras, meu pedido se soma ao deles, que é a exata medida do meu esforço para a busca da felicidade.Não sou santa, mas procuro a iluminação.
A iluminação é a exata medida de sua construção da  felicidade. Um ser feliz irradia a luz espiritual e encontra ressonância nas esferas maiores.Isto tem um ritmo, como a própria vida.
Não temos tempo para contemplação, mas faço uma proposta a vocês. Gostaria que escutassem o Bolero de Ravel, que na minha visão representa bem a marcha nesta vida para o entendimento. Diferentes sons se somam aos poucos à musica, como também em nossa própria vida cada lição aprendida se soma à grande orquestra final de nossa sabedoria. É na busca de nosso tom exato que a Justiça Divina se manifesta e os dons afloram.
Aqui no Brasil há pessoas que descobriram isto pelas mãos de um músico, lá em Cabedelo, na Paraíba. Todo entardecer centenas de pessoas ficam às margens da praia fluvial do Jacaré para admirarem o pôr-do-sol ouvindo o Jurandy do Sax tocar o Bolero de Ravel gratuitamente. O silêncio se instala e a natureza e a música permitem aos seres ali presentes um estímulo para apreciarem a vida.
 É na busca de nosso tom exato que a Justiça Divina se manifesta e os dons afloram. E assim, ao marcharmos no som do equilíbrio das nossas almas saberemos onde mora a felicidade, que ecoará como um trovão em nossos corações.


Bolero de Ravel
http://www.youtube.com/watch?v=Urfjyj4FnUc

Site do Jurandy
http://jurandydosax.com.br/

quarta-feira, 18 de maio de 2011

"Nós come o peixe"

Numa destas conversas sábias entre meus filhos, o Dyogo afirma ao Syrus: Sempre quis saber porque você jogava longe a mamadeira quando terminava o leite.Resposta óbvia: ué, pensei que se terminasse e jogasse fora apareceria outra cheia, como sempre aconteceu!  Um detalhe importante: nesta época nenhum dos dois falava pois eram muito pequenos: um tinha dois anos e pouco e o outro 10 meses.Outro detalhe importante é que nunca contei a respeito
Eles não falavam português, nem pensavam em português, nem em nenhuma outra lingua, mas o pensamento existia. Por este motivo qualquer espírito pode se comunicar com qualquer médium ,pois o pensamento é que é repassado.Mas o que quero hoje é ir um pouco além disto.
Hoje a casa está bagunçada. Tudo é direito, nem que seja errado. Tenho direito de me expressar como quiser e da maneira que eu quiser. Tenho o direito de não sofrer nenhum tipo de punição, pois eu posso tudo. Posso usar palavras estrangeiras para definir minha falta de limites, como também minha contrariedade e minha falta de atitude pode ser definida com palavras que apontam para doenças que eu nem sei direito o que são, mas estão lá catalogadas no consciente coletivo, ou seja, na mídia.E assim caminham os pensamentos brasileiros.
Coincidentemente, estava vendo uma série da Tv Cultura, neste final de semana, sobre o crescimento e desenvolvimento humano nos primeiros quatro anos de vida. A lógica gramática se desenvolve nos primeiros anos de fala: isto é uma coisa instintiva e , de certa forma,relacionada à sobrevivência. A criança se esforça em falar corretamente para poder pedir o que lhe garantirá a subsistência. É lógico que temos uma imensidão de coisas a se aprender durante toda nossa existência, mas temos os mecanismos necessários para isto.
Por minha própria essência sou contra a qualquer tipo de preconceito, mas é esta mesma essência, e vivência, que me alerta de abusos que cada vez fluem para as trevas da existência.
O pensamento é um cavalo selvagem que deve ser adestrado, sob pena de perdermos o controle sobre nosso próprio bem estar.Se não tivesse falado e imposto um limite ao meu filho que jogava as mamadeiras na parede, hoje ele estaria fazendo normalmente isto com pratos de comida. Perder os parâmetros entre o certo e o errado, deixar se conduzir conforme o vento sopra, é o primeiro passo para o estouro da boiada. E como sabiamente falou seo João Boiadeiro, é melhor sacrificar um boi do que ver o dito estouro.
Uma médium ontem foi pedir uns esclarecimento ao seo Zé. Perguntou em que "gaveta" estava, qual era a sua classificação como médium. A resposta não poderia ser outra: não há gavetas,nem armários na Umbanda, não há nada fechado, nem classificado como melhor ou pior. Os questionamentos fazem parte do desenvolvimento de cada um ,seja médium de corrente , seja entidade. Os questionamentos mudam conforme seu grau de desenvolvimento e este é um processo individual.
Minha questão é esta: como pode haver desenvolvimento sem disciplina? Como pode haver questionamento sem conhecimento? A Umbanda não tem dogmas, mas tem uma disciplina rígida e não poderia ser diferente. Trabalhamos com direcionamento das forças da natureza para equilibrar seres humanos em sua caminhada nesta vivência. O Terreiro que não tem disciplina e que não disciplina seus médiuns na caminhada para a real caridade, ao amor e à fé, experimenta as intempéries das sombras. Chamo de sombras o ódio, o medo, a pretensão, o desânimo e a tristeza. Quem pode ajudar ao próximo desta forma?
Pais ,educadores e líderes religiosos peço que eduquem com amor, com fé, com coragem e disciplina aqueles que estão sob sua guarda. Ensinar como se pesca é possibilitar que o futuro pescador desenvolva outros métodos melhores e mais eficazes,e tenha coragem de prosseguir por outros mares . É permitir a toda uma geração o progresso e a luz do conhecimento, sem medo do amanhã. Se permitirmos o "nós come o peixe" , amanhã o "peixe come nós". Saravá.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Senzala Vazia

Estava revendo uma entrevista com a Clarice Lispector no Youtube. Quando ela ainda não era moda, já a admirava. Quando soube que ela amava tomar café de manhã sozinha, passei a achar que eu sou normal. Lembro-me da minha mãe falando que não entendia como a gente podia acordar de mau humor. Não é mau humor na verdade. O meu processo matinal é assim: primeiro eu tenho que me certificar que realmente estou aqui e o que é que eu estou fazendo. Sem tomar a segunda xícara de café é impossível definir a qualidade e o sentido do dia. E tem que ter bastante açúcar, pois sou hipoglicêmica. 
Ela falava também da morte de um bandido chamado Mineirinho, criminoso da década de 70 que havia levado 12 tiros da polícia. Com uma bala o sujeito já estava morto, dizia ela, o resto dos tiros foi vontade de matar, pretensão mesmo. Estou falando disto, porque na medida que você vai desenvolvendo sua aptidão para escrever ou para ser médium (o que para mim vibra na mesma sintonia) você vai percebendo os excessos que as pessoas cometem. Aprendi a ser umbandista pés no chão e hoje vou escrever deste jeito.
Como gostava de escrever ,nunca ,em minha adolescência, faltaram pessoas que me pedissem para escrever desde cartas românticas até redações escolares. Acabava fazendo porque o sonho de um jovem em qualquer época é ser popular. Bobagem. Ser escritor e/ou médium, meus queridos, pode te colocar em algumas saias justas.
A primeira ,no campo da mediunidade, é acharem que você é algum tipo de oráculo. Sempre tem um desavisado que vem te perguntar o que você prevê.Não caia neste tipo de armadilha. E se você tem um amigo que é médium de qualquer religião não faça perguntas fora do lugar em que ele professa sua fé. 
Um médium umbandista está sempre aprendendo e tem perguntas mil. Como todas as pessoas neste mundo. E como todos os demais seres humanos é suscetível a erros. Porque estamos aprendendo todos os dias. Entender que mediunidade é sinônimo de perfeição é pretensão no mínimo. 
Imagine você ser um pai/mãe de santo com uma gira composta de 30 médiuns. Imagine se todos resolvem contar seus sonhos da semana. E isso é muito comum. Os sonhos são interpretações de símbolos pessoais, e requerem paciência e observação individual. A sabedoria requer paciência e observação individual.
Eu vejo hoje o médium de Umbanda como um ser muito sensível, pois ele capta as informações e as traduz conforme sua cultura. Não é justo que seus amigos não vejam nele um ser humano, um reflexo do seu próprio ser. Cada um tem um dom diferente nesta vida e temos que conviver em paz e com respeito.
Hoje as torcidas de futebol organizadas assinaram um documento, que gostei muito da terminologia: Termo de Ajustamento de Conduta. Podíamos fazer o mesmo. Ajustar nossa conduta com relação as pessoas que conhecemos. Médiuns não são milagreiros nem tão pouco mágicos.São pessoas que querem conversar algo além de sua própria mediunidade, aprender e experimentar a vida, e com isto, por mais contraditório que possa parecer, serem melhores médiuns.
Creio na sincronicidade. Se você quer realmente saber algo importante sua fé e sua necessidade moverão energias que responderão aos seus anseios. Alguns falarão de merecimento, eu sempre te direi que é seu entendimento que te proporciona isto. No meio deste texto fui lá ver se tinha algo no site do Terreiro do Pai Maneco: de novo meu texto veio de encontro com o que pai Fernando está falando. Na primeira vez me surpreendi, nesta entendi: a Umbanda não tem dogmas ,mas tem um sentimento que nos norteia. Este sentimento é o da liberdade e o da expansão espiritual, porque meus caros, amor não tem limites e todas as senzalas jazem vazias. Saravá!


A rua na frente da minha casa sempre me remete a liberdade, porisso postei ela hoje aqui.

Texto do Pai Fernando Guimarães
http://www.paimaneco.org.br/textos/comentario-da-semana-6-pai-fernando

POR PROBLEMAS NO BLOGGER ESTA POSTAGEM HAVIA SIDO APAGADA. PEÇO A GENTILEZA DE POSTAREM SEUS COMENTÁRIOS NOVAMENTE.OBRIGADA!

domingo, 8 de maio de 2011

13 de Maio- Entre Memórias e Sonhos

Tem certeza que não tem cães aí? Tenho, pode vir buscar suas fotos. Minha mãe desliga o telefone e depois de uma meia hora a porta da sala é quase que derrubada com socos violentos: A senhora falou que não tinha cães, mas por favor podia avisar que tinha um jacaré? 
O primeiro texto que escrevi foi sobre este homem que havia ido buscar uma encomenda de fotos lá em casa. Eu tinha 7 anos. O dito jacaré já tinha feito estragos assustando as galinhas. Enfim, era empalhado.De noite todos os jacarés empalhados parecem vivos mesmo. O coitado do homem tremia tanto que pensei que ia morrer ali mesmo. Encontrei esta lembrança vasculhando as gavetas da minha memória.
Quando minha avó morreu, eu encontrei sobre esta história do jacaré escrito num pedaço de papelão, que era usado na época nas embalagens de camisas. Escrever me liberta desde pequena. Neste blog acho que consigo ser meio abolicionista  às vezes, penso comigo.Porque às vezes livro outros junto comigo. Então ,por este motivo plantei uma foto de camélia na postagem de hoje. Talvez me liberte um pouco das saudades que tenho.
Pois vou falar dos meus sonhos. Queria ,numa noite destas, que desse um pé de vento e me levasse até a casa do Pai Maneco, entidade dona do Terreiro que freqüento. Não sei a história dele, mas gostaria de passar em sua casa em Aruanda e primeiro ver se tem pés de camélia em seu jardim. Creio que os tenha. Para quem não sabe, todo abolicionista brasileiro tinha plantado em sua casa um pé desta flor exótica em sua casa. A Princesa Isabel vivia recebendo ramalhetes desta flor subversiva. No livro de Eduardo Silva , que abaixo deixo um link para lerem na íntegra um dos textos, diz o seguinte "Na verdade, a hoje aparentemente insuspeita camélia, fosse natural ou artificial, era um dos símbolos mais poderosos do movimento abolicionista. A flor servia, inclusive, como uma espécie de código através do qual os abolicionistas podiam ser identificados, principalmente quando empenhados em ações mais perigosas, ou ilegais, como o apoiamento de fugas e a obtenção de esconderijo para os fugitivos. Um escravo de São Paulo, por exemplo, que desse às de vila-diogo e viesse parar no Rio de Janeiro, podia identificar imediatamente os seus possíveis aliados, já na plataforma de desembarque da Estação D. Pedro II, simplesmente pelo uso de uma dessas flores ao peito, do lado do coração. "
Creio no Pai Maneco como abolicionista antes de escravo. Quando um ser se preocupa em livrar a tristeza dos outros, os grilhões que a falta de fé e de coragem para enfrentar este mundo que prendem o desenvolvimento das pessoas, este ser só pode ser um abolicionista. Em meu sonho iria tomar um café com ele demoradamente. Imagino ele sorrindo e respondendo a todas as minhas perguntas sobre as dores do mundo com um:"acontece Andréa porque as pessoas têm livre arbítrio". É tanto sofrimento neste mundo e tantas pessoas precisando de ajuda que é bem fácil a gente se perder no meio de tanto serviço. Na verdade iria até a casa do Pai Maneco só pra retomar o fôlego e colher umas camélias. Todo médium umbandista têm que ter em mente que é um abolicionista, porque sua principal função é passar a mensagem de que somos livres, inclusive para escolher uma nova ressurreição nesta vida mesmo. Gostaria que todo terreiro tivesse pés de camélia.
Já estava com estas idéias na cabeça, quando assisti uma entrevista com o escritor uruguaio Eduardo Galeano na Tv Cultura. Dizia ele que ouviu a melhor definição de utopia e com ela encerro meu texto de hoje:
 "A utopia está lá no horizonte.
Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."


AS CAMÉLIAS DO LEBLON E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O Pio da Cobra e o Canto da Iara

Jararacuçu ou Jararacussu
Pois é fato consumado: a Chicória morreu mesmo. Fazia uns dias que não a víamos mais.O Dyogo achou o corpo e o Syrus  já vaticinou: é Chicória, tanto que todo mundo falou,mas você acreditou no pio da cobra... Vou falar a verdade: nós não sabíamos quantas vidas esta cachorra tinha: já na infância o Índio pisou nela sem querer, ficou uns dias sem andar. Outra vez, e me parecia que ela havia esquecido disto, vimos ela voar por um coice do mesmo cavalo. De porco-espinho ela parecia freguesa habitual: volta e meia estava ela com a boca cravada daqueles espinhos amarelos. Já havia sido atropelada por carro umas duas vezes no mínimo. Sempre parecia que nunca mais ia andar, mas sempre nos enganava.
Uma jararacuçu terminou com a vida da Chicória.Elas andam piando aqui perto de casa. Eu, pessoalmente, não ouvi. Os meninos dizem que andam escutando elas, não duvido sabe?  Bom, se agora cada adolescente pode ter em seu celular o "zumbitone" ,no qual a campainha tem a potência sonora de 17 quilohertz ,que torna impossível que pessoas com mais de 25 anos escutem, por que não escutar uma cobra piar?
Antes de eu reencarnar nesta própria vida aqui no sítio, houve a Évora. Ela um dia apareceu com um pedaço de madeira cravado nas costas. Muito sofrimento. O lindinho e o caseiro não viram outra forma de aliviar a dor que não fosse o sacrifício. O caseiro a levou para o meio do mato e consumou o ato. Os dois ficaram dias muito tristes porque, aquela enorme cachorra, era uma grande companheira. Dois meses se passaram e o lindinho estava sentado na varanda pensando na vida quando pula a Évora toda cheia de saudades em cima dele. Revistada, não havia sinais nem da cicatriz no lombo, da tal madeira. O susto foi gigantesco. Ela viveu por muito tempo ainda.
Cachorro de apartamento não sobreviveria a um décimo do que estes daqui passam. Aliás, eu queria dizer o mesmo das pessoas,mas não posso. Os cães de sítio são mais fortes porque são livres. Nem todo ser humano que mora em sítio é livre.A vida e a liberdade andam de mãos dadas, não têm começo nem fim. Digo mesmo que a morte é algo só para cientistas: é apenas uma mudança de estado, algo relacionado apenas à física, não ao espírito.
Escrevo hoje sobre isso, porque fiquei pensando em pessoas pelas quais o milagre da vida é revigorado, pelas palavras que elas transpõe de um plano a outro. Médiuns que se doam de verdade, em fé,amor e caridade. Tenho pensado  o porquê das coisas acontecerem com elas . O porquê de suas doenças e tristezas, o porquê dos porquês.
Então soprei meus ventos com todas estas perguntas, como boa filha de Yansã. E os ventos voltaram com a resposta. Dizem que ao nascermos somos todos protegidos, independente de sua própria energia regente, da concepção até mais ou menos 7 anos, pela energia de Oxum. Eu digo que o médium ao trilhar o caminho da Umbanda, numa certa altura, escuta o canto da Iara, a vida que Oxum traz, que o leva a um profundo rio. Neste rio o médium mata a sua sede e descobre que a cada atendimento que faz no toco, coloca sua mão nestas águas maravilhosas que correm livres. A cada segundo este rio muda e as águas são sempre diferentes. A absorção de tudo que esta água nos traz leva muito tempo, então somos sempre um pouco melhores a cada gira, se tivermos a humildade de perceber que o rio é bem maior do que nós mesmos.Só percebemos o rio quando somos livres.
Muitas coisas acontecem para quem é livre por natureza e essência. Porisso a escolha do uso mediunidade dentro da Umbanda é sempre feita de livre e espontânea vontade. Ninguém está dentro de uma gira obrigado, porque nada feito sem um genuíno amor pode ser livre. Sem liberdade não há evolução. Cada espírito traz em si uma essência: cabe-nos aprimorá-la, ter meios para ponderar e entender, até o dia em que estejamos prontos para nos lançarmos corpo inteiro neste grande rio, para alcançarmos a outra margem e recomeçar.
Sejamos livres porque tudo pode acontecer: esta é a grande magia da vida.

domingo, 1 de maio de 2011

O Homem do Saco

Gravura de Gustav Doré
Vá fazendo isso que o homem do saco já te leva... Nunca vi tal homem ,mas tinha medo. O simples fato de "levar pra sempre" já era o suficiente pra deixar qualquer criança quieta. Hoje não. Tenho que falar que o homem do saco faz comércio ilegal de orgãos humanos para meus filhos entenderem. Aqui no mato tem mais coisas que assustam as crianças que o homem do saco, e os pais se aproveitam de todas elas.
Tinha uma outra figura que metia medo na minha infância: uma mulher que costurava e usava aquelas faixas roxas que ornamentavam as coroas de flores dos cemitérios. Curitiba de antigamente me dava medo mesmo.Como tudo é entendimento, os medos se foram e ficou o respeito.
Um dia, um homem chamado  "homem da rosa" entrou numa barbearia onde tinha levado meu filho para cortar o cabelo, me olhou e falou: vá lá resolver o problema da escola do piá ,senão ele não vai estudar mais.Esse homem, reza a lenda, era um engenheiro que havia perdido a família num acidente de carro,e, desde então,perambulava pelas ruas com uma flor para levar ao cemitério. Bom, quanto à escola do meu filho, realmente tive que ir até lá resolver uma questão de mensalidade. Afortunadamente, acabei trabalhando lá por cinco anos.
Tenho muito respeito por este povo, moradores de rua. Lógico que hoje a incidência de drogas como o crack está fazendo com que esta população aumente e eles, estes usuários,no meu entender não tem a ver com o verdadeiro povo da rua.As cracolândias que hoje se encontram até nas menores cidades do país são um grave problema brasileiro. Tudo que se descreveu até hoje sobre os planos espirituais onde vivem os drogados bate exatamente com que temos visto no plano material.
Na Umbanda há uma linha específica do povo da rua. Apesar de virem com aparência de mendigos, têm uma luz espiritual muito grande, e quando são solicitados trazem a humildade e o calor espiritual para limpar o ambiente.Hoje no Brasil quando se fala em povo da rua ,nos termos que estou falando, é comum lembrar do poeta Gentileza, cujo nome real era José Datrino. Mais recentemente o morador de rua encontrou uma criança numa lixeira, jogada pela própria mãe.São tantas histórias que as vezes nem sabemos.
Hoje me emocionei ao ler uma crônica/conto/reportagem do meu escritor predileto:  o jornalista curitibano José Carlos Fernandes. Com a maestria que lhe é peculiar, em seu artigo apresenta ao público o trabalho desenvolvido pela artista Cíntia Glock . Ele começa o texto assim: "Eu, você – a maioria – não saberíamos o que fazer diante de um corpo estendido no chão. A atriz Cíntia Glock também não. Até se ver diante de um esfaqueado recém-alçado à vida eterna, a dois palmos da ponta de sua bota, manchando de sangue as ruas de Colombo. Foi há sete anos. Ganhou sete vidas desde aquele dia." A matéria completa está disponível no link ao final deste texto. Parabéns Zeca por falar desta pessoa que batalha pelo bem, porque estas palavras encontram reflexo em outros corações e talvez despertam mais espíritos auxiliadores da humanidade. Quanto à Cíntia, não sei qual sua religião,mas sei que já deve ter um monte de auxiliares espirituais ajudando-a nesta sua caminhada.
Dignidade. É isto que esta moça doa sem reservas. Quem se dispõe a fazer isto,nos dias atuais? Quem é capaz de atravessar o muro de seus próprios sentimentos e ver que o do próximo pode ser pior? Será que é necessário ajudar só em casos em que a mídia esteja cobrindo? Lembro da minha mãe, que toda segunda entregava jornais à uma carrinheira que passava lá na frente de casa. O filho dela só ganhava algo se mostrasse os cadernos com lição bonita e bem feitinha. Aprendi com minha mãe a não ter preconceitos, a ver gente como ela é: igualzinha a mim.
Na Umbanda eu fui além. Aprendi que todos os que sofreram preconceitos, no passado e no presente, hoje estão em espírito auxiliando os mais necessitados. Tem dado muito certo. Cada vez mais há mais gente nos Terreiros e sinceramente espero que cada um que encontrou a solução neles tenha passado a considerar melhor a vida neste plano e a respeitá-la, em todas as suas formas. Como disse meu amigo Ronald Stresser Jr. em um depoimento no Blog do Pai Maneco, quando estas entidades da linha dos Mendigos vem ,seu choro e gemidos não são de dor e sofrimento,mas sim de sua proximidade com Oxalá. E como diz Pai Fernando neste mesmo tópico do blog: "Conversar com eles é um lenitivo para nossa alma. São mansos, calmos e carinhosos". 
Escrevi tudo isto apenas para chegar aqui e poder perguntar a você: quem mendiga o quê nesta vida?

Acesse e leia a matéria do José Carlos Fernandes: 
http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=1120785&tit=Nos-que-aqui-estamos-por-vos-esperamos

Blog do Pai Maneco- Linha dos Mendigos
http://paimaneco.blogspot.com/2009/05/linha-dos-mendigos.html