quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ogan Toca pra Yansã

Fui pendurar minhas roupas no varal. Não, não sou e nem quero o título de rainha do lar. Ninguém que não goste disto merece. Enfim, estava lá eu quando ouvi um piado "nervoso" e insistente. Era um pica-pau reclamando e isto não é normal, acreditem. De repente aparecem umas cinco aratacas gritando e brigando entre si. Duas entraram em "vias de fato" e caíram no chão, logo alçando vôo novamente. De fato nunca se sabe se as aratacas e as crianças estão brigando ou brincando, são muito parecidas. Assim que foram embora o pica-pau parou de reclamar e voltou à sua função. Então o que se presume desta história? Que não nasci para trabalho doméstico, porque tudo na natureza é passível de reflexão. Adoro observar a natureza, inclusive das pessoas.
Não há como escrever de Umbanda, ou qualquer outra coisa que toque a alma das coisas e das pessoas sem observação. Um belo dia, minha amiga a Rosany Azevedo Costa , começa a me chamar de Griot. Qualquer pessoa com mais de 40 anos já foi chamada de muitas coisas, e fui lá eu buscar informação sobre o assunto. Vi e achei: era muito pra mim. Mas o vento tanto leva as coisas para longe como traz de volta. Depois de passar uma parte da tarde sentindo uma vibração maravilhosa de Yansã no Terreiro, vem uma pessoa e me coloca nas mãos o livro: Mãe África: História da África Subsaariana- Dora Martins Dias e Silva.
E estava lá um capítulo inteiro dedicado aos Griots - Os Contadores de História. Na África é através destes artistas que se mantém a história e ela é divulgada de geração a geração. E foi por conta disto que se manteve geração após geração a história dos negros na Africa Ocidental. É muito comum no candomblé que se entenda como funcionam as energias através das lendas por exemplo, porque uma história é sempre mais fácil de guardar. Então fiquei pensando, talvez isto seja eu, talvez esta seja também minha função só que na Umbanda.
Os Griots também recebem o nome de Djélis , nome que provém da palavra sangue, pois é uma função passada de pai para filho, e as mulheres também fazem parte disto. Geralmente os Griots casam-se com outros Griots, embora possam se casar com não-contadores de história - mas estes nunca podem assumir a função.Um griot é formado por seu pai , que lhe conta várias histórias desde criança, e assim é formado. Ao crescer aprende a acrescentar novas informações observando o mundo de uma forma geral. Meu avô foi um grande contador de histórias, meu pai ainda é. E eu ouvindo tudo isto me acostumei, não vejo a vida de outra forma.Falo tantos "eus" que me sinto constrangida até, mas é para que você saiba que quando o ogan toca para Yansã, os ventos trazem o que você é de fato. Pode acontecer hoje, pode ser amanhã, mas um dia acontece. Até lá a paciência e a alegria, com uma pitada de esforço talvez sejam necessárias.Não desanime.
A diferença que tenho com os Griots é que você não gostaria de me ouvir cantando meus textos, ou transformando-os em trovas. Acho perigoso esta coisa de rimar. Gostaria mesmo de falar pessoalmente, de um por um o que acho da vida e da Umbanda. Os Griots acham que é na respiração de quem carrega a história que está a magia. A minha respiração está aqui e sei que muitos a sentem, pelos comentários que recebo, embora às vezes "trave a quentura da voz humana" a internet é um bom meio de publicar histórias.
Os Griots não enterravam seus mortos, eles os depositavam no interior dos Baobás. Como uma Griot moderna, sou doadora de todos os meus orgãos ,então de certa forma serei depositada no interior de um ser que andará por aí, espero que mais feliz.
Hoje agradeço a Rosany mais uma vez, que como diria uma cigana, lá da região Andaluza, veio e me deu uma buena dicha. Então distribua você também que me lê, uma boa palavra. Saravá!



sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Entre Tutu Marambá e o Axé

Foto de uma ama negra em Salvador-1870 autor desconhecido
Tutu Marambá não venhas mais cá, Que o pai do menino te manda matar ... Existem muitas variações nesta cantiga de ninar bem antiga, mas o Tutu Marambá ou Marambaia é o mesmo. Pra quem nunca ouviu falar, esta cantilena foi criada pelas amas negras , no tempo da escravidão, para fazer com que os meninos e meninas brancos que cuidavam dormissem logo e pudessem descansar. Tutu é um termo da nação africana, provavelmente de Angola que representa sempre o monstro - o bicho-papão. Maramba ou Marambaia é um termo indígena associado.  Estas lindas amas negras, inegavelmente compositoras espertas, associaram ainda às cantilenas infantis elementos de sua religião, disfarçados nos santos católicos. Uma musiquinha que cantava sem parar na minha infância era: "São João Da Ra Rão,Tem uma gaita-ra-rai-ta,Que quando toca-ra-roca,Bate nela..." era cantada pelas negras para crianças mas também era uma espécie de oração para Xangô, assim também como esta outra música: "Capelinha de Melão é de São João,É de Cravo é de Rosa é de Manjericão..."
Havia cantos infantis para tudo, um meio de invocar as energias da natureza. Um específico para cura, na linha de Oxóssi: "Pelas vossas chagas,Pela vossa cruz,Livrai-nos da peste,Senhor Bom Jesus.Glorioso Mártir
São Sebastião,Livrai-nos da peste,São Sebastião." Cuidando dos filhos dos patrões, não havia como não se afeiçoar a eles. E quem vê a Umbanda de fora pode até achar estranho em uma gira ver espíritos de pretos e de algumas crianças brancas trabalhando, mas no fundo tem uma lógica. Estas crianças viram suas amas benzendo, costurando e curando com seus Orixás. E como o poder de armazenamento mental dos pequenos é grande, aprendiam tudo muito rápido. É lógico que uma criança na Umbanda vem com uma energia muito maior porque é um espirito que tem na verdade centenas de nossos anos neste plano.
Estou chegando num ponto de visão da Umbanda que me emociono com muitas coisas. Estes dias vendo nosso membro de corrente , o querido João de apenas sete anos tocando atabaque com alegria indisfarçável, me comoveu. O acantonamento da Mocidade da Umbanda no Terreiro do Pai Maneco me encheu de felicidade, só de pensar na alegria deles juntos dormindo em frente ao congá, nossa fonte de energia e alegria continuamente acessa em nossos corações. A formação destes jovens, sem medo de repreensões como havia no passado,com base na fé, no amor e na caridade sem dúvida transformará esta nossa religião de combate muito mais alicerçada e enraizada no bem maior.
Ainda temos muito chão pela frente na Umbanda e ele tem que ser caminhado com os pés descalços, para que sintamos cada pequena pedra, que deverá ser retirada da estrada para o caminhar dos mais novos. Sou fã do Alexandre Cumino, grande incentivador e propagador de nossa religião. Tudo que ele posta eu replico para minha página do facebook. Porém, a fonte onde bebo brota na Umbanda Pés no Chão do Pai Fernando e gostaria de fazer uma colocação baseada na minha interpretação pessoal, e espero que ao ler isto Cumino entenda que não é só para você, mas para todos refletirem.
Ontem vi uma frase sua, que muitos postaram depois de um curso seu: "A Umbanda é predadora natural da magia negra." É uma frase avulsa, fora de um contexto ,mas em minha opinião é contrária à Umbanda. Somos uma Umbanda de diversos rituais diferentes, idéias diferentes de como funciona o mundo espiritual, mas nossa proposição é a mesma: atingir com fé o propósito da caridade pelo amor ao próximo. Temos muitas batalhas sim, somos lutadores em potencial, mas não predadores de magia negra, porque não nos alimentamos dela. Os predadores na natureza vão atrás do que os alimenta. Nós nos alimentamos da Luz Divina e é com ela que alimentamos quem precisa de consolo, de um pouco mais de fé, de força.
Meu propósito hoje é de dizer a todos que trabalham com os jovens e crianças, que tudo o que fizerem a eles vai ser replicado no futuro,com uma potencialidade muito maior, mais aprimorada. Vou ser sincera: eu tinha medo do Tutu Marambá. Hoje meus filhos para terem medo do Tutu  tenho que dizer que ele é ladrão de playstation. As coisas mudam. Umbanda é pra umbandista, pra quem gosta de axé.


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Entre a Física e o Bodoque

Toda nossa tecnologia atual advém da Teoria Quântica. Foi o que falaram em um destes maravilhosos documentários do Canal Futura. É bem possível que daqui há alguns anos tenhamos um elevador que nos leve ao espaço e a NASA está oferecendo meio milhão de dólares a quem fizer um protótipo, baseado em cabos com nanotecnologia já existentes. Mas o que mais me impressionou nisto tudo foi uma afirmação: tudo o que conhecemos de física neste plano que estamos não se aplica a nenhum outro plano. Exemplificando: um átomo pode estar num lugar, desaparecer, e aparecer em outro sem aviso prévio.Ou estar em vários lugares ao mesmo tempo. Imediatamente me veio a idéia de que o plano espiritual segue as regras físicas do Universo, as quais não estamos inclusos.O deslocamento das entidades e o fato de incorporarem em mais de um médium ao mesmo tempo fica muito fácil de explicar por esta teoria. Mas isto é para quem entende realmente do assunto.Quando me pego nestes devaneios, parece que a voz do Pai Fernando Guimarães salta à minha mente falando: no que isto ajudaria num processo de cura?
Os cientistas querem criar organismos vivos com a nanotecnologia, ou seja, organismos do tamanho de átomos sem possuir nenhum elemento já existente em nosso planeta. Apesar de toda a aparência maravilhosa, estes micro-organismos criados pelo homem podem servir além da cura de várias doenças, para a guerra entre nações inteiras. Dizem que saberão tudo sobre o universo inteiro observando algo que é totalmente imprevisível como o átomo.
A ciência é algo muito admirável, principalmente para nós que não a conhecemos com profundidade, mas podemos usar um pouco de seus parâmetros para divagar sobre nosso caminhar. Por exemplo, todos nós que moramos do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul estamos inseridos no grande bioma da Mata Atlântica. Bioma é um conjunto de diferentes ecossistemas, que possuem certo nível de homogeneidade. São as comunidades biológicas, ou seja, as populações de organismos da fauna e da flora interagindo entre si e interagindo também com o ambiente físico. Como diz a música de Rui Maurity feita em 1976, "Eu vi chover, eu vi relampear, Mas mesmo assim o céu estava azul,Samborê, Pemba, Folha de Jurema, que Oxóssi reina de norte a sul"
Vivemos no meio das terras de Oxóssi. Por mais que se levantem prédios e indústrias neste espaço, a pouca vida que ainda sobrou deve ser preservada. Tem gente que pensa que os índios foram os primeiros ecologistas, mas eles nunca o foram: eram a própria mata . Porque um bioma é muito mais que uma árvore ou um animal, é tudo o que a floresta contém.Oxóssi é o índio, é a flor e é o pássaro. É da energia de Oxóssi que vem a cura, pois esta energia  se movimenta através de diferentes organismos vivos. Mesmo que, nesta região que atua o bioma da Mata Atlântica, você esteja num ponto de ônibus, esperando a condução para seu trabalho, ao ver um sabiá buscando comida à sua frente, ali estará a energia Oxóssi se manifestando.
Os grandes cientistas estão tentando criar formas diferentes de vida, pode ser válido, mas o nosso trabalho como umbandistas conscientes é bem maior.  Sabedores de que estamos em terras de Oxóssi, devemos respeito e este respeito só é notado quando somos disseminadores da idéia de preservação e não-poluição. Ninguém é obrigado a concordar com nossa religião e nosso jeito de pensar, mas pode ser sim conduzido a nos apoiar pela preservação de nossa própria espécie através de nossos atos. Há tantos projetos de preservação ambiental possíveis de nos engajar em nossas práticas diárias, inclusive nos terreiros.
O que não podemos é esperar que realmente surja este elevador que nos leve ao espaço para ver a grandiosidade do mundo que habitamos e o quanto somos responsáveis por ele. Encerro com um poema do Pai de Santo Leonardo Guimarães:
"Oxossi é como a cobra jibóia, igual onça pintada, tal e qual o gavião e o macaco sagui. Oxosse é a samabaia, o bambu e o jacarandá. É Oxosse qualquer rastro de relva verde. Ele próprio é a seiva vegetal que perfuma a floresta. Oxosse é o calor do sol e também a sombra da folha, do galho do tronco da árvore. Ele é a fruta suculenta que alimenta a vida, a alegria e a liberdade. Oxossi está na mata, na cidade, na terra inteira, onde seus filhos nascem vivem e morrem, guiados sempre por sua FLECHA CERTEIRA."
(Leo Guimarães, 2009)