quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Com a palavra Rotterdam - Mais uma carta aberta ao João


Não há satisfação maior , neste meu mundo, do que poder receber uma carta com conteúdo tão bem pensado e sincero quanto o seu João (vide abaixo a íntegra da resposta dele). Quem não questiona a religião estará fadado a se afogar em um mar de egos alheios, portanto, muito perigoso a qualquer um que venha buscar o mínimo de salvação.
Quando você usa a palavra respeito , a usa com muita propriedade. Respeito vem  do latim respicere , que vem a ser, em tradução literal,  olhar de novo.  E sinto em você esta necessidade de olhar de novo.Se é algo que se deve lançar um novo olhar, a Umbanda é uma religião a que se deve uma consideração e reflexão especial.
 A princípio João a fé em uma religião, seja ela qual for, deve partir da premissa que não conseguiremos responder palpavelmente todas as perguntas, mas seremos fiéis a estas ideias. Difícil isto não é João? Porque envolve pessoas e seus egos escravos que se prendem a seus pés em grossas correntes.
Poucas pessoas eu vi na religião sem estas correntes. Assim como as entidades têm suas legiões, estas pessoas não andam sozinhas em seu caminhar pela loucura. Sempre falo que o Erasmo de Rotterdam deveria , lá pelos idos de 1400, estar falando do que ocorre na Umbanda ) em seu texto Elogio à Loucura (e falo desta religião porque pouco sei do que ocorre nos bastidores de outras,mas não duvido que sejam iguais). Veja se não é idêntico ao processo que esta insensatez religiosa apresenta ,quando Erasmo fala dos fiéis colaboradores da loucura: “Se, por Júpiter, também quereis saber os seus nomes, eu vo-lo direi, mas somente em grego. Estais vendo esta, de olhar altivo? É Filavtia, isto é, o amor-próprio. E esta, de olhos risonhos, que aplaude batendo palmas? É Kolaxia, isto é, a adulação. E, a outra, de pálpebras cerradas parecendo dormir? É Lethes, isto é, o esquecimento. E aquela, que se acha apoiada nos cotovelos, com as mãos cruzadas? É Misoponia, isto é, o horror à fadiga(ou seja, a preguiça). E esta, que tem a cabeça engrinaldada de rosas, exalando essências e perfumes? É Idonis, isto é, a volúpia. E a outra, que está revirando os olhos lúbricos e incertos e parece dominada por convulsões? É Ania, isto é, a irreflexão. Finalmente, aquela, de pele alabastrina, gorducha e bem nutrida, é Trofís, isto é, a delícia. Entre essas ninfas, podeis distinguir ainda dois deuses: um é Komo, isto é, o riso e o prazer da mesa; o outro é Nigreton hypnon, isto é, o sono profundo.”
Sim João somos muito pequenos em relação ao Divino e a toda existência. Quando menor muitas vezes pensei, assim que descobri que existiam células, que a Natureza não é assim tão inovadora, ela repete padrões. E repetindo padrões , assim como somos compostos de bilhões de células, não seríamos nós células do Divino? Pensar é gratuito ainda, então gastei muito tempo pensando nisto e ainda reflito sobre tais coisas alguns dias.
Uma célula é infinitamente pequena aos nossos olhos e dizem que elas são trocadas em nosso corpo – no período de um ano- em quase 95 %. É assombroso! Mais assombroso ainda  João é saber que uma simples célula cancerosa pode matar um corpo forte e vigoroso. Porque elas se reproduzem numa velocidade tal que são capazes de acabar com uma história de vida, assim como ocorreu com meu pai.
Sei bem que a Umbanda anda doente João, mas muitos de nós também. Esta nossa tentativa de estar junto com o Divino faz com que muitos de nós  tenhamos esta sensação de superioridade, onipotência e talvez até seja isto que torne as pessoas células cancerígenas em potencial.

Vou terminar esta extensa missiva explicando o que eu quis dizer quando falei no começo sobre o termo “ o mínimo de salvação”  : no meu entendimento , ser relevante nesta vida é , como o Divino antes da criação, ficar pairando sobre as águas da sabedoria, num ato legitimo de amor monogâmico à Filosofia e com isto multiplicar células fortes o suficiente para resistir a correntes. Saravá!



Desculpe-me João,mas posto aqui sua resposta ao http://coisasdecasados.blogspot.com.br/2016/09/o-gato-de-schrodinger-carta-aberta-ao.html porque acredito que seus questionamentos sejam ao de outros também:
 Asas pra que te quero - uma carta fechada para Andrea                         
 Joao: Então, refletindo muito sobre sua carta e relembrando o possível sobre nossa conversa, quero que você saiba que vai ser muito difícil encontrar alguém que respeite o que vocês fazem como eu respeito, ainda mais lendo sua carta e vendo suas ações de cara limpa, sem o fazer por minha aprovação e sim para servir de lição para quem você inspira, e digo isso mesmo tendo esse meu ceticismo em relação a tudo nesse mundo. 
E justamente por me permitir questionar tenho também a ciência de que não posso ser eu o guardião da verdade, seria incongruente comigo mesmo, sendo assim espero que não pense que o que digo a seguir eu mesmo não possa questionar eventualmente. 
Eu concordo em absoluto contigo que a fé ajuda a dar força para as batalhas que travamos diariamente, especialmente para os mais fracos, mas eu me questiono se ela também não pode ajudar a dar corpo, forma, para atitudes que não são legais, egoístas, em pessoas com moral baixa. A sensação de proximidade com o divino as vezes leva algumas pessoas a se sentirem intocáveis e acho que é aí que mora o perigo, nos levando a imitar Ícaro e desperdiçar uma oportunidade de aproveitar para viver tranquilamente planando pelas tragédias da vida.

Eu cheguei num ponto da vida em que você começa a observar o quanto somos insignificanteS perante a imensidão do universo, e isso vale desde as mesquinharias que somos capazes de pensar e fazer uns aos outros até a insignificância física mesmo. Eu não consigo mais compreender essa necessidade em procurar uma explicação para praticamente tudo o que nos rodeia, e ao mesmo tempo, não parar para observar que na realidade somos nós que rodeamos tudo. Sem dúvidas somos seres de extraordinária inteligência e feitos impressionantes, mas também o é a natureza na sua forma mais pura e simples.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O Gato de Schrödinger - Carta Aberta ao João

Não terminamos aquela conversa de ontem sobre fé , João, então resolvi te escrever. Acho justo existirem pessoas que desistem de religiões e até não crerem em nada, o mundo não nos dá muitos motivos mesmo e eu, mesmo sendo mãe de santo, não acho justo "forçar a amizade" obrigando outros a aceitarem como missão seja lá o que for em que acredito. Se eu fosse pastora, freira, seja lá o que estivesse tecido pelas Moiras para meu caminhar ,não agiria de forma diferente.
A liberdade João é uma coisa muito séria e não permite deslizes. Quem não pensa ,pelo menos uma vez por dia, em desistir de tudo,não está fazendo a coisa certa. Viver é definitivamente a arte de acordar todo dia  checar a afiação da espada e ver se alguma coisa faz sentido. Se fizer, se valer, vá atrás. Soldados só desistem da guerra quando ela não faz sentido.
Fiz um acordo com Divino e cara, Ele não brinca, mas é capaz de jogar os dados na nossa cabeça. Você escolhe uma missão e fica nela como se estivesse numa caixa - como o gato do Schrödinger- meio vivo e meio morto.E ,apesar de tudo que escuta João e do que vê, do que o Universo pensa ,o importante é identificar a caixa.
Estou na Umbanda porque identifico a caixa e quero, na menor menção de alguém pedindo ajuda e estendendo a mão para fora,puxar imediatamente. Há caixas perigosas onde há tortura, dor, sofrimento, falta de esperança. Vejo sentido em, mesmo eu sangrando ao final de um combate, ouvir alguém dizer : Eu me levantei finalmente!
Ninguém descreve campos de batalha com flores, sol e brisa fresca. Sempre chove e faz frio, onde há dor e exaustão, onde há guerra, infelizmente, também há os dois lados num mesmo batalhão. Estou na Umbanda para ser livre, mas há os que se aprazem com a escravidão. Hoje mesmo escutei um pedido de uma pessoa umbandista para que eu acendesse uma vela para uma entidade, pedindo para dar um susto num desafeto que não teria cumprido o que prometeu.
João demorei alguns minutos para entender. Fiéis acorrentando seus anjos em prol do que? Guerreamos por vida e não por vingança. Não há um acordo promíscuo entre mim e a religião: jamais falei a qualquer entidade que dou um dia da minha semana para a fé e eles me ressarcem no que eu for pedir. Para mim incorporação não é a mistura café-com-leite: as entidades estão vivas e nós somos aquela metade do gato morto. Quando estou incorporada o tempo não chuta minha caixa e eu posso ficar ali sentada dentro de mim, observando as cores de que não sou capaz de te descrever,mas é tudo tão maravilhosamente claro que as pessoas se tornam livros abertos.
Incorporamos a vida na Umbanda João, e até que o médium consiga abrir os olhos ele ainda procurará por nomes e histórias corriqueiras de outras caixas - porque simplesmente não consegue enxergar algo que não seja parecido.Hoje eu comando um exército, de vivos e meio mortos, e aqui não há medalhas por simpatia, por persistência, nem se ganha prêmios dizendo palavras floreadas. Umbanda é religião de luta.
Nós conseguimos nos levantar João e aquele que não vê sentido na morte dos que amou, na doença que assola seus dias ,na depressão que o leva ao inferno de sentimentos, na tristeza profunda que assola os drogados? Num mundo onde há coisas deste naipe, como é que eu vou ficar quieta? Inquieta-me a falta de esperança e ação, a falta de sonho, a falta de fé em si mesmo. Inquieta-me João uma Umbanda promíscua e prostituída por discípulos e dirigentes. Então te digo, quem está comigo, neste plano, tem que ter disciplina e saber da caixa que o envolve e que terá que sair de lá,mais cedo ou mais tarde. Quem está comigo, mas é de outro plano, sabe que não desisto e que sei do potencial deles: jamais acorrentarei entidades a planos mesquinhos de polir egos.
Vejo inquietação em sua alma, sei que procura onde está Deus nesta roda punk João. Não é justo que quem procura com o amor que você procura, seja cooptado sem ter escolhido as armas ainda. Guerreiros caminham sozinhos em seus pensamentos e forjam sua defesa e seu ataque nas decisões que tomam. Confio em ti. Ogunhê!