segunda-feira, 25 de agosto de 2014

De Olho na Ética Umbandista

Sabe quando algo te deixa vermelho de vergonha, sem graça, com batimentos cardíacos alterados? É a reação física quando você vai contra seus conceitos morais, seus valores. Algo simples aparentemente, mas profundo e complexo, muito bem explicado pelos filósofos  Clóvis de Barros Filho e Mario Sergio Cortella no último Café Filosófico . Os padrões morais  variam de cultura para cultura. A Ética que se fala tanto na atualidade é um conjunto de valores específicos de um grupo. Se , ao pertencer a um grupo, eu entender os padrões morais que o regem -a sua ética- e for contra eles e não me envergonhar, não tiver uma reação física imediata, terei que repensar minha participação no grupo.
Trocando em miúdos, se eu prego uma verdade dentro da  cultura do meu grupo e não a vivencio, não estou no lugar adequado. É lógico que todos nós erramos, não somos perfeitos, estamos em evolução constante. Assim como nosso rol de valores não é petrificado, ele também evolui.A questão é absorver os valores a tal ponto de externá-los com naturalidade, porque moral também se incorpora ao nosso físico. Como andar de bicicleta, valores se adquirem em grupo e  se externam de maneira espontânea.
Uma mãe passa seus padrões morais a um filho para que ele não sofra ao se adaptar à sociedade, lugar em que ele vai se desenvolver como adulto, com bases sólidas para que seja feliz e livre. A nossa liberdade como umbandistas é "limitada" dentro da fé ,do amor e da caridade.Cada valor destes deve ser entendido para que exerçamos com ética nossa religião.
Pedi à mãe Lilian Maria Dallastra que escrevesse algo sobre ética umbandista e o texto que ela fez conceituo como uma base bem sólida para construirmos uma Umbanda cada vez mais voltada para a evolução. Peço aos meus leitores que nos comentários complementem, acrescentem, discutam porque sempre acrescentará a quem busca na religião crescimento e verdade:

Ética na Umbanda


Escrever alguma coisa sobre este assunto requer mais do que um parágrafo, pois eu divido a Ética da Umbanda que pratico em 3 pontos:
Ética Sacerdotal
Subdivido esta categoria em mais três pontos.
Respeitar os fundamentos de outras religiões e de outros Terreiros de Umbanda é premissa para ser ético como sacerdote. A minha verdade temporária é o que aprendi até então com os guias que me regem e tais ensinamentos permeiam o terreiro que dirijo. Além desta margem respeito todos os terreiros e seus ideais, regras e fundamentos, assim como espero que o terreiro que dirijo seja respeitado. Neste quesito, ser ético é não julgar o que não lhe compete. Outros dois pontos que merecem citação é a relação entre o pai ou mãe de santo e seus filhos,além da discrição entre assuntos confidenciais do filho para com seu pai ou mãe de santo, a relação fraternal e philia deve ser respeitada. Como assim? Explicarei...
O que um filho de santo confidencia ao seu pai/mãe é por confiar no mesmo. O ser humano tem como hábito (triste hábito) a necessidade de contar um segredo que ouvir como forma de desabafo. Instintivamente isso acontece. O melhor amigo conta um segredo para o amigo, que conta para seu melhor amigo, que por sua vez conta para outro e por aí vai. Um sacerdote precisa ser ético com a sua referência e não transferir o peso da confissão para outro. O que eu conto à você é para você e não para um telefone sem fio. Pai/mãe de santo precisa aprender a não fazer telefone sem fio! A capacidade de ouvir e discernir sobre o assunto sem devaneios e auxiliar o filho fazendo-o pensar em soluções e caminhos diferentes sem interferir no livre arbítrio e em sigilo é papel do sacerdote umbandista.
Um assunto que para mim é algo simples de falar é sobre o envolvimento de filhos de santo com seus pais/mães de santo. O amor, filosoficamente falando, pode ser classificado em três vertentes: eros, philia e ágape. O amor Eros é o erótico, é aquele que pertence à carne, o tesão, a paixão, o desejo.  Philia é o amor de pai para filho e vice-versa, aquele que ama sem interesses, aquele que ama apenas por intenção da felicidade do outro, sem interesses obscuros. Já o Ágape é o amor ao Divino, à Deus, ao Supremo. Não consigo conceber outra forma de amor entre um pai/mãe e um filho que não seja o Philia, ambos (pai e filho) vibrando no amor Ágape. Não consigo entender, mas sei que existe e aqui também entra a ética...

- Ética dos Médiuns
                Ser médium não é fácil justamente por ser tão simples e ninguém acreditar nisso. Ser médium é não fazer absolutamente nada que não seja ser instrumento nas mãos de um espírito de luz. Sabiamente que todo médium deve estudar e procurar mais conhecimento, mas isso requer ética para que não faça de seus estudos assuntos de consulta. Ler livros, ouvir depoimentos e tantas outras fontes de conhecimento são maravilhosas oportunidade de aprendizado, mas isso não pode ser confundido com o saber do espírito que se incorpora. A mistura do “café com leite” é fato, mas separar o que você pensa do que a entidade quer dizer é uma prática necessária e ética. Se o consulente quisesse a sua opinião, falaria com você e não com um guia. Já fui surpreendida algumas vezes quando minha resposta era A e a entidade queria dizer B. Neste momento eu poderia intervir na consulta, mas não o fiz. Assim também como a ética num momento de consulta também é não quebrar regras da casa na qual você pertence. A partir do momento que você aceita as regras de um terreiro, cabe à você ser ético e cumpri-las. Além da ética está também a moral e os valores agregados ao convívio com os demais.
                Neste caso é muito simples ser médium. Basta ser instrumento e não querer inventar moda. Passe a mensagem do espírito e não queira ser mais que o espírito, pois o espírito certamente não tem a vaidade que o médium tem muito menos a pretensão em querer falar além do necessário.
                Notoriamente é importante falar também dos médiuns que adoram “posar de pai/mãe de santo”. Saem por aí (incorporados ou não) dizendo frases do tipo:
- Eu sei com quem você trabalha na esquerda!
- Se eu fosse você pedia para jogar obi novamente, pois acho que você não é de Ogum, é de Oxossi!
- Você viu aquele irmão que ficou no meio na hora de Ogum de Ronda? Coitado, deve estar muito perdido...
- Tenho um recado da pomba-gira para você!
- Ei! Eu sonhei com o seu caboclo de Oxóssi! Sei quem ele é!
- Sua cigana usa uma saia azul com listras laranjas e bolinhas verdes!
                Atitudes como esta são totalmente antiéticas! Qual é o direito que uma pessoa tem de determinar o que é ou não é para o outro médium? A vaidade faz as pessoas fazerem muitas coisas, infelizmente. Hoje, como mãe de santo, não faço isso por não me achar no direito de roubar o aprendizado do médium... Em contrapartida das frases acima, eu responderia se eu fosse o médium vitimado da seguinte forma:
- Que bom que sabe! Mas não abra a boca, quero que ele mesmo que diga!
- Ainda bem que você não é meu pai de santo!
- Preocupe-se com a sua vida!
- Deixa que ela venha falar comigo!
- Que beleza! Quando ele quiser ele vem me dizer quem ele é!
- A cigana não é minha, mas quando minha mãe Cigana quiser algo, ela dirá incorporada no terreiro... Agradeço a intenção!
               
                Neste caso, ser ético é não se intrometer no desenvolvimento do outro. Ser ético é ajudar seu irmão de corrente em dificuldades sim, mas não se intrometer na espiritualidade. Há pessoas que se julgam tão boas na questão da adivinhação, desdobramento, clariaudiência, clarividência e psicografia que não sei mesmo porque vão ao terreiro... Se possuem toda esta mediunidade porque possuem tantos problemas ainda na sua vida carnal? Será que com toda essa informação espiritual ainda não adquiriram o equilíbrio necessário para se ajudar e ajudar os outros sem atrapalhar? Enfim... aqui já foi mais um desabafo sobre a minha indignação sobre o “Triste hábito”, breve texto que já escrevi sobre o assunto tempos atrás.
                A ética do médium se resume em respeitar a Umbanda da casa que pertence, não se intrometer na espiritualidade dos outros e ser fiel as mensagens dos espíritos. Como falei lá no início do texto, é muito simples... o médium é que complica tudo! (risos)

Ética entre as religiões e terreiros
                As religiões são responsáveis em explicar a morte. Isto eu aprendi na faculdade. Além disso, agrego como função das religiões a capacidade em explicar a nossa existência. Assim forma nascendo as religiões, cada qual com suas intencionalidades e paradigmas.
                Aqui me atenho à Umbanda, nascida há mais de 100 anos, ainda um bebê. Aos 17 anos perambulei nas religiões para me encontrar, mesmo sendo de outra religião desde pequena. Conhecendo várias me encontrei na Umbanda. Rezo hoje mais de 6 horas seguidas sem me cansar e pasme: faço isso alegremente! Realmente amo a minha religião.
                As pessoas deveriam fazer o mesmo antes de se decidirem qual religião seguir. Muitas, se não for a maioria, acaba seguindo o que o pai ou mãe ensinou em casa. Pais estes que também seguiram o que lhes foi passado e etc. A tradição passada de geração para geração é muito bonita, desde que seja pela prática da liberdade. Hoje vemos religiões se atacando. Uma se dizendo ser melhor do que a outra. Medem a quantidade de fiéis, de bens... mas deveriam medir na verdade a quantidade de atrocidades que acontecem. É nos erros que medimos nossa valia e não nos acertos. Quanto menos errar melhor.
                Onde está a ética se uma religião prega que a outra não presta, que é do demônio? A mesma pergunta eu faço para quem fala mal de um terreiro ou de outro? O assunto é vasto, vai longe...
                Entre as religiões há sim o poder financeiro que comanda o desejo pela massa popular. Quanto mais fiéis, mais moedas caem no caixa. Obviamente é melhor ridicularizar as demais religiões já que eu não consigo ser verdadeiro e conquistar os adeptos pelos valores verdadeiros que a fé ora defendida prega. Seria mais ou menos assim: não confio no meu taco, então é melhor apedrejar a janela do vizinho.
                Entre os terreiros há algo parecido. Também no quesito financeiro como do “poder” energético. Sinceramente, não me preocupo com isso. Me preocupo com meus filhos: se estão sorrindo, se estão caminhando bem na evolução espiritual e se conseguem transpor as dificuldades da vida material. Uma pessoa que considero muito me falou, e não só uma vez, que o terreiro o qual dirijo está em evidência. Realmente, deve estar. Talvez por eu não querer nada além de abrir uma gira e terminar com alegria e ter a satisfação de ajudar meus filhos. Esta relação despreocupada com o que vão dizer ou pensar me faz ser serena e boba. Serena porque não estou preocupada com o que dizem, pois sei o que faço. Boba porque mesmo os que falam mal me procuram e ajudo da mesma maneira.
                Esta ética entre os terreiros também é muito simples: não fale mal dos outros, pois quem fala mal é espelho da maldade. Propagar verdades inerentes aos fatos é o mesmo que cuspir para cima. Muitas pessoas entram num terreiro falando mal do qual saíram. Isto é antiético. Mal sabe o médium que o pai/mãe de santo já fica com o pé atrás... Mudar é preciso, mas sair falando mal é maldade. Se algo não lhe serve, não use, mas também não saia difamando. Seja ético!
                Pai/mãe de santo que desfaz de outro é a mesma coisa, tão simples como tudo o que já descrevi até agora. É medo de não ser suficientemente bom para manter seus filhos na corrente e ajuda-los verdadeiramente na caminhada ou puramente ego elevado.
Axé

Mãe Lilian
Terreiro Vovó Benta- Curitiba
http://www.vobenta.com/