quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Desenvolvimento Espiritual

Alguns fantasmas novos me rondam. Antes que alguém venha tentar tirá-los de mim, peço que deixe-os ficar ainda e mais um pouco, para que possa decifrá-los e libertá-los, assim como minha alma. E aí Pai Fernando Guimarães posta um texto que fala sobre vida e morte no site do terreiro, então consigo saber que estou no limbo das idéias.Convido-os a visitarem ele comigo.
Vou começar do início. A Umbanda ,no princípio, tinha provas de fogo. Provas para saber se o médium estava incorporado mesmo ou não.Era um tal de andar sobre brasas, espinhos , queimar pólvora na mão, enfim uma profusão de testes absurdos mesmo e perigosos. Acredito que ninguém mais faça isso. Porém ainda percebo que os testes continuam, mas de outra forma, na  busca pelos mais fortes, e nos fortalecem para o caminho a ser seguido.
Certa vez perguntei ao pai Fernando se as entidades nos testam.Ele me respondeu que sim, mas não seria através de "pegadinhas".  A Umbanda trabalha com um elemento mágico muito importante, realmente transformador, que se chama entendimento. Para que haja entendimento você deve estar sempre consciente, o que apesar de parecer fácil não o é.
Para ser um bom umbandista você deve ser humilde, caridoso e ter fé.  Ser humilde em um mundo que preza pelo materialismo é tarefa pra Hércules nenhum botar defeito. A tudo se agrega um valor. Os nomes de entidades são um destes fatores. Há um orgulho indisfarçável em se falar que recebe tal entidade com nome mais do que conhecido no meio. Quando não é isso que importa, o que importa é a mensagem e não o mensageiro. Quando entramos numa mata escura e densa de nossas pequenas vaidades só a luz do entendimento para nos tirar de lá. Alcançar a humildade é uma prova de fogo, porque mesmo humildes podemos ter orgulho disto.
Outra prova que equivale a andar em brasas é a caridade. Ser caridoso não é só na hora em que ajudamos alguém com as mensagens e a transmutação das energias. Ser caridoso é também entender que cada um anda conforme consegue distanciar um passo do outro, o que é mais rápido para alguns é mais demorado para outros. Traçar paralelos entre os desenvolvimentos das pessoas é algo além de ridículo, vão e sem propósito. Um dia uma amiga deste meu mundo virtual da internet, me falou que sua colega de gira era muito "saidinha" e que aos olhos dela a mãe de santo nada fazia para deter aquele comportamento. Se há uma coisa que os pais e mães de santo, legítimos desenvolvedores de nossa espiritualidade, sabem é que mais cedo ou mais tarde as próprias entidades tratam de educar seus filhos no caminho da caridade. Cabe aos pais educarem, mas cabe aos filhos apreenderem a lição e incorporarem ao seu dia-a-dia.
Falo do processo educacional da Umbanda, porque ele também está presente na vida de todos sobre esta terra que querem fazer parte das falanges do bem, independente da formação religiosa. Caridade é uma palavra de sentido tão amplo que às vezes é difícil ter consciência plena dela. Caridade é saber perdoar também, é saber que todos temos limitação e que todos, enquanto vivos neste plano, ainda estamos em pleno desenvolvimento.Ser caridoso é dar a oportunidade ao próximo de ser quem ele é e de deixá-lo aprender, é ajudar quando é solicitado e principalmente não tecer julgamentos precipitados. Todo julgamento é precipitado, porque a pessoa que você é hoje pode não ser a mesma que você será daqui há um mês, como também ocorre às pessoas que estão à sua volta.Pense nisso.
Ter fé é andar sobre os espinhos desta vida. É saber que nada permanece e tudo está sempre em movimento. O calor que sente hoje será substituído pelo inverno que se aproxima, e que toda estação tem sua função. É difícil imaginar o verão nomeio de inverno rigoroso. Ser médium é saber passar esta mensagem aos que buscam conforto.
Ser médium de umbanda não é ter poderes fenomenais e irrestritos. Se assim fosse não seriam necessárias as giras. Ser médium de umbanda é saber que nada se faz sozinho e que todos fazemos parte de todos. São elos de diferentes energias Orixás que se unem formando um arco-íris de energia. 
Para ser médium de umbanda é preciso coragem. Coragem para largar velhos hábitos, e antes perceber que os possui. É se libertar dos casulos construídos com tanto carinho para nos proteger, em prol do próximo. É saber que você não é santo e como em qualquer convívio haverá conflitos pessoais, mas que o intuito disto tudo é tirar proveito e aprender a perdoar. Ah, o perdão.... Este sim é aquela mironga de congá, o grande segredo que as entidades e os altos iniciados escondem, para que aprendamos sozinhos o seu valor. Perdoando nos libertamos e almas livres alçam vôos maiores.E às vezes a pessoa mais difícil de perdoar somos nós mesmos. Como diz o texto que Pai Fernando postou , e que pertence ao Oriovisto Guimarães:" Não sabem os tolos, que imaginam se preservar, que é impossível a vida sem a morte, que o medo em excesso impossibilita o pleno viver." 
Se você crê por algum motivo, que o Divino esteja testando seus limites, pode ser que isto seja verdade. Então aconselho que ultrapasse a barreira do som e deixe seu coração falar. Escute-o com atenção. Será que é necessário mesmo sofrer? Será que não é o momento de mudar os móveis dentro de sua cabeça? Defumar as idéias e saravar um novo começo. Tudo é possível sem pré-conceitos.
"Algo só é impossível até que alguém duvida e resolve provar o contrário." Albert Einstein


Texto que citei no site do Terreiro do Pai Maneco 
 http://www.paimaneco.org.br/textos/minha-opiniao-fevereiro-2011

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Oxalá

Helen Keller 1880-1968
Há três tipos de frutas que gosto aqui no sítio: pitanga, araçá e saco de bode (este último virou "hit' e é conhecido por physallis, apesar de ser na verdade um "mato", que cresce sozinho). Pois bem, este é o primeiro ano em que o pé da araçá está repleto de frutos. Todos os dias vamos lá ver se estão maduros, mas até agora nada. A sensação é a mesma que antecede ao término do cozimento do bolo de chocolate, quando se eleva no ar o cheiro, mas bem mais demorada.
E por anos tive esta sensação ao pensar em Oxalá. Orixá que a princípio não é relacionado com nenhum elemento da natureza, aparentemente. De uma certa forma é fácil descrever os outros Orixás e suas correlações com o vento, as pedreiras, as matas e assim por diante.Esta noite amadureceram minhas idéias sobre Oxalá e aproveito o dia para dividir com vocês.
Há dias venho pensando em Hellen Keller. Para quem não conhece, ela nasceu em 1880 em Tuscumbia, Alabama, descendendo de família tradicional do Sul dos Estados Unidos. Quando completou 18 meses de vida perdeu a audição e a visão no que chamaram de febre cerebral, mas que na verdade deveria ser escarlatina.
Hellen não tinha então nenhum contato com o mundo exterior, e ficou nestas "trevas" até os sete anos (por coincidência um número sempre presente na Umbanda) quando conheceu sua professora Anne Sullivan, que na época com 21 anos foi ser sua educadora . A professora Anne Sullivan havia estudado na Escola Perkins para Cegos (Perkins School for the Blind) pois, quando criança tinha sido cega, mas recuperou a visão através de nove operações. Sua indicação para ensinar Hellen foi feita por Alexander Graham Bell (inventor do telefone), que havia sido procurado pelos pais de Helen. Desde essa época, professora e aluna, tornaram-se inseparáveis até a morte do Anne Sullivan em 1935.
Anne Sullivan assumiu a tarefa de ensinar Hellen e para isso necessitou de muita coragem a persistência. As alunas cegas da Escola Perkins fizeram-lhe uma boneca pare levar à Helen.  Anne Sullivan iniciou seu trabalho com Helen utilizando a boneca e tentando relacionar o objeto à palavra através da soletração da palavra “BONECA” pelo alfabeto manual. Helen logo aprendeu a repetir as letras correta­mente, mas não sabia que as palavras significavam coisas. Aprendeu através desse método, um tanto incompreensível para ela, a soletrar, com o uso das mãos, várias palavras.
No dia 5 do abril de 1887 Helen e sua professora estavam no quintal da casa. perto de um poço, bombeando água. A professora Sullivan colocou a mão de Helen na água fria o sobre a outra mão soletrou a palavra “água” primeiro vagarosamente, depois rapidamente. De repente, os sinais atingiram a consciência de Helen agora com um significado. Ela aprendeu que “água” significava algo frio e fresco que escorria entre suas mãos. A seguir, tocou a terra e pediu o nome daquilo e, a anoitecer já havia relacionado trinta palavras a seus significados.
Hellen aprendeu a falar, a ler e a escrever. E foi além. Em 1898 entrou na Escola Cambridge para Mocas; em 1900, para a Universidade Radcliffe onde, em 1904, recebeu seu diploma de bacharel em filosofia. Durante seu período de estudante a professora Anne Sullivan foi sua orientadora constante transmitindo todas as aulas para Hellen, através do alfabeto manual, encorajando-a e estimulando-a. todos os livros de consulta que não existiam em braille eram laboriosamente soletrados nas mãos de Helen. Além das aulas da Universidade, Anne soletrava aulas de francês, latim e alemão.
Bom , e o que tudo isto tem a ver com Oxalá? Pois lhe digo que essa é a força natural desta Energia Cósmica. O Divino escondeu o poder natural em um lugar que custássemos a achar, para melhor valorizá-lo: dentro de nós mesmos. Oxalá é a força da energia natural da fé.Nos terreiros não se incorpora a energia de Oxalá, porque é a energia que movimenta todas as outras , as quais não se sustentariam sem ele.
A Justiça Divina, sua execução, a prosperidade e a vida, os ciclos que passamos, tudo está interligado com a fé. Uma das grandes dúvidas que eu tinha era a respeito desta superioridade dele: se é maior que os outros Orixás ele mesmo seria mais do que uma energia divina em forma de Orixá. Na verdade, Oxalá não tem mais poderes que os outros nem é hierarquicamente superior, mas merece o respeito de todos por representar o patriarca, o chefe da família.
A fé encabeça qualquer movimento espiritual. Oxalá é sincretizado com Jesus Cristo, mas ele próprio é anterior à história de Jesus. Oxalá está na base da criação Divina, onde há o início. Em momento algum o Divino pensou se era possível a Criação. A Fé que movimentou a Criação , em um exemplo muito simples e simplório até, é de mesma qualidade que a fé que movimentou o interior de Hellen Keller.  Movimento que só foi possível através de um instrumento externo, no caso, a dedicação de Anne Sullivan.
Devo confessar que por ter uma aptidão por jornalismo, o meu entendimento tende a ser mais objetivo e por morar no meio do mato, descomplicar vira uma regra de vida diária. No meu entendimento muitas coisas de que o intelectual de umbanda Rivas Neto fala são muito prolixas. Sua formação é na medicina, e , como doutor, fala de maneira apropriada para o seu nível de conhecimento. Contudo uma coisa ele postou estes dias no twitter que foi uma das coisas mais sensatas que já ouvi, e que me acendeu uma luz em minha alma: "Teologia é a crítica e auto-crítica da religião. Teologia não pode ser confundida com religião." 
Posso falar aqui neste espaço sobre os Orixás, sobre a Umbanda, mas nunca o farei em um aspecto teológico, porque nem tenho conhecimento para isto. Falo do que sinto dentro da minha experiência religiosa e pessoal. E Oxalá é a energia que possibilita que eu fale de fé.
Achei algo muito bonito em um site, o Soldados da Mata, falando do motivo de se vestir branco nas giras:" Por causa de Oxalá a cor branca esta associada ao candomblé e aos cultos afro-brasileiros em geral, e não importa qual o santo cultuado num terreiro, nem o Orixá de cabeça de cada filho de santo, é comum que se vistam de branco, prestando homenagem ao Pai de todos os Orixás e dos seres humanos."
Por último, mas essencial nesta nossa conversa, escrevi tudo isto para que você saiba que esta energia de Oxalá reside em você. Esta semana extraordinariamente várias pessoas me escreveram e falaram comigo sobre suas preocupações e a dificuldade em superá-las,  afirmando que estavam em seu limiar. Há algo dentro de nós capaz de transformar as dificuldades materiais em elementos criativos de prosperidade, há algo dentro de nós capaz de transmutar a saudade dos que já se foram em lembranças vívidas de amor presente e eterno, há algo em cada um de nós capaz de transformar as doenças e limitações em aprendizado de força e coragem. Há sem dúvida algo dentro de nós que propicia a reencarnação nesta mesma vida, e este é o elemento natural regido por Oxalá: a fé. Tenham coragem de abrir seus olhos para seu interior, pois nele há uma força descomunal.Espero que despertem como Hellen despertou ao compreender o que era água. ÈPA BÀBÁ !  

Para Saber mais sobre Hellen Keller:

Site Soldados da Mata:

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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Yemanjá

Por volta das 8 da manhã, do dia 26 de dezembro de 2004, ocorreu um dos maiores tsunamis da era moderna no Oceano Índico. Um mês após o fato eu lancei pela Editora Juruá o livro Tsunami-A Onda Letal , sobre o ocorrido, falando também de outros tsunamis históricos,além de como se prevenir neste tipo de catástrofe natural e todas as conseqüências pós-tsunami.Apesar de já decorridos 6 anos, esta publicação continua sendo vendida, principalmente a estudantes. Na época acreditei que escrever um livro que apresentasse a história de tais eventos seria mais instrutivo do que apenas explorar o evento em si.
Sentei-me aqui em frente à tela deste computador para falar sobre Yemanjá e o livro não saía da minha cabeça. Falar sobre a Deusa do mar para brasileiro é tornar-se redundante e a força que seu elemento da natureza tem sobre nós, o mar, é , literalmente, chover no molhado Tenho um amigo que apesar de dizer que não gosta nem de umbanda nem de candomblé, não deixa de fazer entregas a Yemanjá todo ano para se fortalecer.Então, mediante a tanta admiração por Ela, resolvi começar pelo não tão óbvio.
Fomos educados para acreditar que a energia Divina tem reações humanas, o que é um grande erro. Deus "É", e não "Está". O Divino é Verbo presente e imutável.Assim como as energias cósmicas dos Orixás que fazem parte Dele. Na Umbanda Orixás não têm sentimentos humanos como nós: inveja, orgulho,ira ou até a mais simples predileção. Os tsunamis não ocorreram devido à fúria divina, como nenhum outro evento da natureza. O mundo em que vivemos é um organismo vivo, que produz alterações geológicas e, como toda ação resulta de uma reação, é óbvio que em algum momento presenciaremos tais reações.
Fazemos parte da Natureza e somos seres espirituais em evolução também.Todos os orixás são o Amor Divino em ação para nosso próprio desenvolvimento. Um amor como não conhecemos igual. Yemanjá é a prova disto. Simbolizada pelas águas do mar ,ela é em si um agente catalisador deste amor. Portanto nossos espíritos podem e devem entrar em sintonia com esta energia, para se purificar e se elevar.
Sempre gosto de brincar que sou como um rádio: às vezes, nos bons dias, capto a FM, nos maus, capto AM e ainda um pouco fora de sintonia. Contudo, em frente ao mar todos somos iguais. Quem não parou ainda para admirar a beleza das ondas e se sentiu apenas um espírito em comunhão com o sagrado? Quem não conversou com o mar e ficou ali aguardando uma resposta? O som hipnótico das ondas, é o canto das sereias, é o canto de uma mãe ninando e acalmando um filho confuso em seus pensamentos sobre a vivência.
Genéticamente viemos há milhões de anos do mar, espiritualmente ainda estamos nele. Eu imagino que bilhões de pessoas neste mundo pensando ao mesmo tempo formem oceanos de emoções e nela se sobressaem e atingem esferas de energia mais altas, quem tem um elemento preponderante: a fé.
Indubidavelmente Yemanjá nos ajuda na fé e a mantê-la. Não costumo, por ética, comentar atendimentos, mas creio que este que narrarei tem a capacidade de auxiliar mais pessoas. Um senhor veio pedir ao seo Beira Mar que 'energizasse" algumas conchas, na véspera do dia de Yemanjá, para que ele distribuisse à assistência da gira , em prol das vítimas da catástrofe no Rio de Janeiro, sua terra natal. Então ele pediu água e as energizou e as entregou falando o seguinte: "As conchas são descartes de organismos vivos no mar. Chegam à praia e serão com o tempo transformadas para outras utilidades. Que cada um que venha a receber estas conchas acenda uma vela à Yemanjá, pedindo que as pessoas que estão passando por esta transformação tenham força e entendimento, e se fortaleçam na fé." O bom de ser médium consciente é receber grandes ensinamentos.Eu aprendo sempre.
Há vida abundante no mar, nem os grandes cientistas conseguiram catalogar todas as espécies. Há muito o que se aprender também com ele em nossa vida pessoal e espiritual. Recuar e avançar quando as condições são favoráveis.Força e leveza combinadas. Equilíbrio. Talvez seja isso: sonhamos em ser surfistas nesta vida, mas nem sempre há ondas de energia suficientes para nos fazer deslizar pelo mar das oportunidades. A fé e a observação fazem os surfistas continuarem no mar. Os bons surfistas são corajosos e respeitam o mar que os acolhe no prazer de viver.
Sejamos assim em frente ao mar da vida que o Divino nos propiciou : corajosos e prudentes, tentando manter sempre o equilíbrio diante de nossas emoções e considerando que neste oceano de vida que vivemos estamos sempre ligados pelas águas de Yemanjá. Odoyá! 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Fluindo



Início de semana , pós férias de verão, é no mínimo estressante. Segunda já cedinho estava eu na estrada esperando o ônibus ao lado de dois pequenos arrancados à força dos braços de Morpheu.Apesar disto tive uma grata surpresa. Do sítio até o asfalto são aproximadamente 1300 m e os dois lados da estrada estavam repletos de lírios brancos, nascidos no raiar do dia.
O ser humano não é uma máquina de trabalho, é antes de tudo uma máquina de registrar o tempo. Movemo-nos tranquilamente em nossa rotina, enquanto que ao quebrá-la, mesmo que seja para um mês de férias acabamos por nos estressar. O valor do trabalho na vida do ser humano começou a ser medido por uma religião: a Luterana. Foi através de Lutero (1483-1546) que começou a se definir uma ética no trabalho e nosso valor como seres humanos através da evolução que tivermos através  dele.  O verbo "trabalhar" é proveniente do latim vulgar tripaliar: torturar com o tripalium. Este é derivado de tripalis, cujo nome é proveniente da sua própria constituição gramatical: três e palus (pau, madeira, lenho), que significava o instrumento de tortura de três paus. A idéia de tortura evoluiu, tomando o sentido de "esforçar-se", "laborar", "obrar".
Eu acredito que além do tempo que registramos e do trabalho que buscamos, para o sustento e para a dignidade, somos caçadores em potencial de nossa própria alegria. Vivemos em função da busca da felicidade. Quando encontrei os lírios na estrada uma alegria quase infantil invadiu minha alma: o Divino estava ali falando comigo através dos lírios de Oxum.
Filhas de Yansã têm um defeito que é se vangloriarem de sua brabeza, mas as filhas de Oxum têm também um grande defeito: se vangloriarem de sua vaidade. O fato é que gostamos todos de nossos defeitos, como se fossem nossos avisos para que não cheguem muito perto, quer queiramos aceitar isto ou não. 
Oxum é o orixá que se olha no espelho e isto se confunde com vaidade pessoal. Isto não é verdade. Como energia cósmica proviniente do Divino Oxum é maior que os sentimentos humanos.  Em minha interpretação Oxum observa no espelho os mistérios divinos da vida e da concepção.
Um rio nasce da terra, quieto e sereno, em sua abundância de águas transparentes. Toma seu caminho em pequenos veios, pode seguir por sumidouros, que são canais subterrâneos, até se tornar caudaloso e imponente. Desaguando em cachoeiras, até seu encontro com o mar. Não há quem não se revigore nas águas de Oxum, mãe de infinita beleza.  O rios fazem parte da cultura religiosa mundial. Jesus foi batizado nas águas do Rio Jordão. Segundo a cosmologia hindu, o Rio Ganges se origina nos céus. A Kumbh Mela, o grande festival que ocorre ao redor do Ganges, é uma celebração da criação. Segundo a cosmologia hindu, o Rio Ganges se origina nos céus. A Kumbh Mela, o grande festival que ocorre ao redor do Ganges, é uma celebração da criação. No Alcorão está escrito: "A água é a fonte de toda a vida."
Nós Umbandistas temos Oxum, senhora dos rios, como o Orixá que propicia a vida e grande protetora das crianças pequenas. Quem anseia por maternidade faz oferendas à Oxum. Oxum também rege a prosperidade e está associada ao ouro. Há muito o que se descobrir ainda sobre Oxum e toda a dinâmica desta energia.
 Uma amiga me falou que há no Japão um rio que na superfície parece calmo, mas na medida em que colocamos o braço nele, sentimos no fundo uma forte correnteza. A aparente calma de Oxum é assim: sua beleza esconde a força da vida  do espírito encarnado. Oxum nos chama constantemente a ver o percurso de nossa vida no leito desta terra, para que para que nunca esqueçamos a fonte de onde provém toda nossa energia vital. Seja por nossos atos ou  palavras a vida deve ser como um rio que têm em si o dom da caridade por onde passa.
É justo poluir um rio?  Matar o sagrado, o mistério Divino da vida? O quanto temos poluído as águas e nossa própria mente impedindo-a de fluir , com pensamentos negativos e possessivos, com vícios e idéias fixas? Não se move o leito de um rio sem consequências. Deixe sua vida fluir e que todas as coisas ruins sejam depositadas no espelho de Oxum, para que ela os transforme em vida novamente. Que nosso principal trabalho  seja o de nos purificar, de nos tornarmos mais fluentes na energia Divina, na alegria e sem direito a férias. Orayeyeô mamãe Oxum!  


A foto  foi feita pelo olhar atento do João Henrique Delfrate no Terreiro do Pai Maneco, mostrando um detalhe de uma médium de Oxum.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A Democracia da Paz

Li estes dias uma piadinha que dizia assim: " A voz do povo não pode ser a voz de Deus, pelo simples fato que Deus não falaria "prástico" , 'vorta" e coisas do gênero. " Lógico que não concordo com isto, pelo simples fato de já ter visto uma pontinha do Divino em gente que não sabe ler. O que quero ilustrar com isso é um pouco da minha indignação legítima de Yansã/ Xangô. Talvez até um pouco de Ogum no meio.
O site do WikiLeaks foi nomeado por Snorre Valen, um político norueguês, para receber o Prêmio Nobel da Paz, alegando que a página contribuiu para a «democracia e a liberdade de expressão» em todo o mundo. Ótimo para quem entendeu. Eu sinceramente não consigo. Este site citado é um grande instrumento de denúncia, mas não deixa de ser isto. Na história da imprensa, ou melhor falando, da divulgação de fatos explosivos , sempre tivemos que colocar um pé atrás. 
Somos todos fofoqueiros em potencial, como já falava Gaiarsa. A própria história não se sustenta se não for passada adiante, desde que bem documentada.  WikiLeaks é um site de fofocas, muito importante para a democracia, mas não para a paz. Pelo menos no meu entender,mas como gente do mato ainda falo "vorta" e "vô i lá!"
A paz é a ausência de guerras e conflitos, ausência da dor e da tristeza.Num contra-ponto à notícia do Nobel recebo uma carta da psicóloga Simone Coutinho que transcrevo aqui em parte sobre sua experiência no Twitter , no processo de pedir ajuda ao pessoal da tragédia no Rio: " Um senhor alermão  me descobriu no twitter e me convidou para fazer parte da equipe de voluntários da Humanity Road , pois não tinham ninguém aqui no Brasil e queriam ajudar.Precisavam de alguém que falasse inglês e quisesse trabalhar com eles.Não pensei duas vezes, respondi que sim, que seria uma honra e eles já me conectaram a equipe no skype , me deram as boas vindas , já agradeceram meu interesse e daquele minuto em diante eu já era uma voluntária para eventos de urgência no Brasil.São pessoas de todos lugares no mundo que disponibilizam parte do tempo livre para transmitir informações importantes durante eventos deste nível.Isto é fundamental aqui no Brasil,pois não temos nenhum treinamento para catástrofes, e ficamos totalmente perdidos sem saber o que fazer.Somos treinados toda semana e orientados sobre muitas coisas e estamos engajados em todas as emergências mundiais, seja protesto no Egito, ciclone na Austrália, vulcão no Japão. Primeiros socorros, donativos, voluntariado, pedir ajuda internacional, fazemos com o maior prazer. E vou te dizer que ainda estou engatinhando e tenho muito a prender com meus líderes, mas tenho ORGULHO enorme de fazer parte deste time.Nada é por acaso, e acredito que Deus coloca as pessoas certas no momento exato no caminho da gente.Te digo de coração que muitas coisas que tinham valor prá mim passaram a ser insignificantes e outras eu não vivo mais sem....#SOSBrasil  #SOSMundo. 
Dia 12 um mês após a tragédia, vamos nos unir e orar."
Há uma grande gira do bem acontecendo no mundo, neste exato instante. Nela trabalham pessoas de todas as religiões e credos. Meu Nobel iria para eles. Iria também para aquele pai/mãe de santo que mesmo não estando bem físicamente, se doa  para que todos possam praticar a caridade de levar conforto aos aflitos. Meu Nobel iria para aquele médium que enfrenta demandas pessoais , mas mesmo assim está lá , em pé na gira, cantando "refletiu a luz Divina...." 
Mais do que um prêmio qualquer, quem pratica a caridade, quem se volta para o próximo num momento de angústia ,para lhe aquietar a alma e levar o calor de sua bondade e conforto, está de fato exercendo sua fé numa fonte de Luz Maior.
Gostaria de pedir aos pai/mães de santo de umbanda e  candomblé e seguidores, aos evangélicos, judeus, muçulmanos, espíritas , budistas e pessoas de todos os credos que me dão o prazer de sua companhia neste blog, que nos unamos em oração por estas pessoas sobreviventes da tragédia do Rio de Janeiro, junto com a Simone Coutinho e o  Humanity Road , no dia 12 de fevereiro.
Contatos com a Simone pelo email:  simonesc2@yahoo.com.br

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Planície da Verdade

Um dia visitem uma pedreira.  Tem uma que visito, às vezes , aqui em Colombo. Sozinhos em meio àquela gigantesca energia somos compelidos a entrar em reflexão. Não há nada de esotérico ou místico nisto.  Gosto de andar nela e perceber cada detalhe. Um dia achei uma rachadura numa parte do paredão de onde escoava uma água pura e olhem, no alto dos meus quarenta anos, fiquei deslumbrada como criança que acha um doce. Havia vida ali e não me abstive de tocá-la. Água gelada que purifica nossa alma....
Em todas as culturas religiosas mais antigas e mais voltadas aos efeitos da natureza existem três elementos que sempre são citados: as pedreiras (rochas de grande volume e altura), os trovões e os raios e sempre voltados para a justiça divina . Os blocos de pedra mais cultuados no mundo estão no Muro das Lamentações. Trata-se do único vestígio do antigo templo de Herodes, erigido por Herodes o Grande, no lugar do Templo de Jerusalém inicial. Foi destruído por Tito no ano de 70. Muitos fieis judeus visitam o Muro das Lamentações para orar e depositar seus desejos por escrito nas fendas das pedras.
Sempre rio quando lembro do Pai Fernando falando que não adianta pedir algo relacionado à justiça terrena para Xangô,  pois ele não sabe onde fica o fórum.  Xangô é relacionado à Justiça Divina que é bem diferente. Tentar explicá-la é difícil então recorro aos grandes pensadores que em poucas palavras explicam o que é Xangô: "As almas em seus carros alados, quando antes de encarnar, chegam a um grande descampado, dão uma olhada para o alto. Contemplam em seus pedestais, a Justiça, a Beleza, o Pensamento, a Temperança, o mundo das idéias eternas e imutáveis, que ficam na "planície da Verdade", diz Platão. Logo em seguida, elas escolhem o que vai ser a "sua vida efêmera", à qual permanecerão ligadas por obra de Necessidade. Deusa caprichosa, ela, que tece seu fuso, e suas filhas, as temidas Parcas, cortam o fio da existência quando querem. Bebendo no rio do Esquecimento, prossegue o mito, perdemos a memória dessa escolha inicial de nossas almas - sem culpa nem responsabilidade de ninguém mais - cujo vínculo permanece no daimon, nosso guia e destino ao mesmo tempo." 
Platão podia ser umbandista, se fosse brasileiro e tivesse nascido no século passado. Em poucas palavras descreve a mecânica do que seria a Justiça Divina. Mas, a conselho da minha amiga Carolina Iantas, uma legítima representante de Ogum, percorri o caminho do conhecimento de James Hillman, o célebre discípulo de Jung.  Aqui gostaria de fazer uma colocação: eu , Andréa, creio que toda pessoa com mais de 70 anos anda potencialmente cercada pela energia de Xangô, porque a noção que têm sobre justiça divina, dentro de sua própria experiência de vida, nos é tão necessária que devia ser regra consultá-los sempre.
James Hillman tem hoje mais de 80 anos.  É sem dúvida um grande médium/cientista, ele diz o seguinte: "A psicologia exagerou a introspecção subjetiva. É preciso recuperar a conexão ecológica com o mundo". E esta conexão ecológica com o mundo de que ele trata tem muito a ver com Xangô e o entendimento da Justiça Divina.
Os caboclos de Xangô , em seus atendimentos, sempre nos chamam à razão sobre a importância de nossas próprias vidas, do nosso livre  arbítrio e de nossa conduta a respeito dele.  Hillmann fala que  faz apelo sempre baseado na  história antiga para afirmar que nossa biografia "não pode ser a história de uma vítima". Rebelando-se contra a idéia de que somos frutos de um código genético, de heranças ancestrais ou de acontecimentos traumáticos da nossa infância, ele afirma que o mito é ainda o lugar que nos permite "pensar com o coração e raciocinar com a alma", e assim encontrar o fio que une os pedaços esparsos da nossa existência. Portanto, o fio que tentarei usar hoje é da cor dos raios de Xangô.
Veja , se algo acontece em sua vida de muito marcante, há algo ali para ser aprendido. Já falei outras vezes que não gosto da palavra merecimento, por me parecer que há seres mais favorecidos que outros perante o Divino, quando na verdade, como também filha de Xangô , sei que todos são, de fato, iguais perante a Lei Divina. O que importa para Xangô é que haja entendimento da situação, apreendimento do conhecimento gerado, para então se partir para um novo aprendizado. As biografias das pessoas que se destacaram, e o próprio Hillmann as utiliza em seus estudos, nos ajudam a entender justamente este processo de entendimento para o merecimento.
Veja uma coisa: depressão é a doença da modernidade. Então , pelas palavras de Hillman quando alguém diz que está em depressão corre-se para tomar remédios fortíssimos e uma  terapia convulsiva para "ressucitar" o indivíduo. Na verdade, na vida comum, apenas nos levantamos e movimentamos para evitar a depressão. 
Todos nós ,de uma forma ou outra , queremos mudar, queremos evoluir, passar de nível neste video game que é a vida. Mas é só falar em perder que todos se negam de forma veemente. “A melancolia nos leva a um lugar onde podemos ver mais claramente as essências da vida,” diz Jules Cashford, um escritor americano. A tristeza é um grande professor que nos faz ver, se tivermos entendimento, o que precisa ser feito. E um grande ensinamento que tive foi de que é necessária a perda, as vezes, para haver mudança e tudo deve ser feito com coragem.
Medo é uma palavra que não existe no vocabulário de Xangô. É um guerreiro antigo, detentor da sabedoria e da temperança. E esta frase de Hillman representa bem a coragem de Xangô: "Sem tempo para a perda não temos tempo para a alma." Xangô representa nosso tempo para a alma pela disciplina, para o aprendizado e , torno a falar, entendimento.
Aí você pode pensar, que justiça Divina é esta que permite tantas tragédias pessoais, tantas pessoas más, cometendo todo tipo de atrocidade. Nos atemos nos fatos, nos lamentamos deles e julgamos os culpados. Hillmann nos leva neste ponto a uma reflexão digna de Xangô " A "semente má". Acho que na nossa cultura falta imaginação sofisticada sobre o aspecto destrutivo. Não entendemos essas crianças no Colorado, não entendemos Milosevic ou a menina de 11 anos que mata o menino de 4, não sabemos imaginá-los. Falamos do Holocausto para falar de Hitler. Mas Hitler é o verdadeiro mistério. O que é extraordinário é a possibilidade de fazer que os alemães e grande parte dos europeus fizessem a mesma reverência. O que é isso? Eu me proponho a pensar sobre o mal. Há muitas teorias. Alguns dizem que é o diabo, outros que é uma deformação genética, todos tem teorias. Não estou interessado nelas. A questão é pensar sobre o assunto. Imaginar essa parte da vida que, se não pensarmos por medo ou por ânsia negar, vamos acabar queimando alguém. "
Xangô é rei na "planície da verdade" de Platão onde há uma bela pedreira. Kaô Cabecille!


Para minha amiga paulista, que me escreveu dizendo que está em dúvida sobre seu Orixá, e que cada texto que eu escrevo sobre eles ela vê nas características grandes semelhanças com ela, digo o seguinte: todos nós temos um pouco de cada energia deles, porque eles no conjunto representam o Divino. Não há como se pensar num mundo onde só existisse a energia de Xangô. Como somos limitados apenas uma energia se sobressai e com certeza minha amiga quando descobrires qual é teu Orixá comandante verás que está em sintonia total.

Gostaria muito que prestigiassem a monografia de minha amiga Carolina Iantas: "O FOGO ATRAVÉS DO FOGO: OGUM E A CALCINATIO NO PROCESSO DE PSICOTERAPIA"

http://www.symbolon.com.br/monografias/CarolinaIantasFerreira-OFOGOATRAVeSDOFOGO.pdf