sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O Libertador

Lá pelos idos do século XVIII, era bem comum os ciganos passarem nos sítios oferecendo-se para curar males através de rezas. Reza a lenda que estas orações se transformaram em cantilenas, e que as crianças as reproduzem até hoje, transformadas pelo tempo. Antes que pensem em absurdos, não acredito que houvesse alguma reza com  "atirei o pau no gato", mas é inegável que toda criança reproduz o que vê, desde que o mundo é mundo.
Syrus, meu caçula, tinha um boneco chamado Marcos Valério. Tentei que ele mudasse o nome, porque este cara não era , por assim dizer, do bem. Marcos Valério está em todos os canais de tv mamãe, como não pode ser? Bom, hoje Marcos Valério deve estar em alguma caixa que deixei lá nos fundos, sei lá. Mais recentemente, este mesmo elemento da minha prole, veio me expor uma brincadeira divertidíssima na escola: terapia. Consiste no seguinte: uma criança vai pro meio, conta o que não sai da cabeça dela, dá uma tremidinha (não sei porquê), e nunca mais pode falar no assunto. E perguntei quem tinha inventado esta brincadeira: existe faz muito tempo, não jogava na escola? Não, definitivamente no meu tempo ninguém jogava Syrus.
É a dita "despamonhabilização" da cultura, já falada pelo professor Mário Sérgio Cortella, ou seja, todo mundo compra pamonha pronta e ninguém sabe como se faz. 
Vendo as crianças em um ataque de fúria na Vila Mariana ,São Paulo, estes dias na tv, senti um misto de tristeza ,impotência e raiva. Menores de doze anos falando de seus direitos constitucionais e duvido, com toda a certeza deste mundo, que saibam o que é um verbo, um adjetivo e muito menos saibam escrever os próprios nomes. Uma psicóloga falou na Tv que se os levassem a locais interessantes como cinema ,teatro, talvez conseguissem voltar à vida normal. Sei. Em nenhum jornal vi que a solução seria serem integrados a uma família, mesmo que custeada pelo estado. Me fez lembrar da história dos elefantes jovens que formaram gangues e destruiram cidades na Índia e só se acalmaram, depois que,  uma professora de psicologia de animal dos EUA, Gay Bradshaw, descobriu que a causa de toda esta revolta é que os elefantes adolescentes não tinham um líder mais velho que os orientasse. Colocados em contato com os mais velhos, voltaram ao normal.
Poxa, é impossível que as pessoas não enxerguem o quanto é necessária a sabedoria dos mais experientes em vida ao nosso lado.Os ciganos respeitam e prezam seus membros mais velhos, os índios da mesma forma, os pretos velhos na Umbanda são nosso referencial, e estas crianças que referencial terão no Brasil? Quando eu era criança ir a um cinema era um evento, mas não mudou minha visão de vida. Por diversas vezes, em situações difíceis, cada palavra que meu pai me disse até hoje, que minha mãe falava, que meus avós falaram, me vem à mente vívidas e coloridas e me ajudam, mesmo sem eles saberem. 
Éramos , lá em casa, em quatro filhos, cuja diferença de um para o outro de pouco mais de um ano. Imagino o que minha mãe passava. Meu pai, em certa altura e como o terreno era grande mandou fazer vários canteiros, cada qual com o tamanho de uma cama de solteiro. Plantávamos, cuidávamos da terra e tínhamos que regar todos os dias, coisa que meu pai também fazia. Era muito bom e cansativo.O Dyogo mesmo me dizendo que não sabe que religião vai seguir, me falou que a vontade dele é que em volta da casa dos pretos, lá no terreiro fossem plantados pés de cana-de-açúcar.Ele inclusive deu para meu Pai de Santo algumas mudas. Porque ele imagina que na época da colheita da cana, os médiuns poderiam ir ali e se servir e enquanto comem a cana( que ele adora), poderiam falar com mais tranquilidade com os pretos-velhos, explicando melhor seus problemas. O Dyogo ainda não sabe, mas ele entende bem de Umbanda.
A minha pergunta é a seguinte: até quando as crianças serão escravas de um sistema que nós mesmos criamos? Que criança é protegida por lei e não pode ser castigada -e não estou falando de bater e sim deixar de castigo mesmo- e tolhida em seus quereres? Que dizer não é impensável.Que pai e mãe ,avós e tios devem ser tratados de igual para igual? Meu pai não deixa que nenhum neto o chame de avô, mas o respeito que todos têm com ele é inquestionável. Se você tirar a lagarta antes do tempo de dentro do casulo, certamente não voará. Filhos precisam de pais.
Tive a grata honra de ver esta foto acima do sr. Francisco Prestes publicada pelo seu tataraneto, o Pai de Santo Ricardo Barreira. Este senhor há décadas atrás, dava refúgio e ajudava negros que fugiam da escravidão nos rincões deste país. Explicando o que ele fazia, o Ricardo Barreira me fala o seguinte: " Em cada negro existe um branco que um negro libertou. A escravidão escravizou os brancos que escravizaram os negros." Francisco deixou um legado, embora muitos não saibam. Os verdadeiros libertadores não precisam de nome. Precisam existir. O Ricardo continua com o ofício da família, ou seja, libertando gente escrava, embora que de outras correntes.
Quando deixamos crianças ter ataques de fúria, por total abandono, tornamo-nos escravos de uma ditadura da educação irresponsável - embora seja pertinente ao Estado- também nos diz respeito. Somos escravos do amanhã , do que eles vão se tornar. É hora de uma atitude, de libertarmos uns aos outros.
Nos terreiros de Umbanda espalhados pelo Brasil , mesmo que pequenos, têm condições de auxiliar no processo de educação. Tomo mais uma vez o exemplo do Grupo Mocidade na Umbanda do Terreiro do Pai Maneco. Neste final de semana o Dr. Cláudio Paciornik que falará aos jovens, dentre outras coisas ,sobre o câncer. Educando se liberta a alma.

Se quiser mais detalhes sobre os projetos do Grupo Mocidade na Umbanda escreva para: mocidade.tpm@gmail.com

16 comentários:

  1. Muito bom!
    A sabedoria em algum momento precisará voltar a ser mais valorizada que a esperteza!
    Parabéns!

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  2. Oriente uma criança, e ela nunca perderá o seu norte.Glaucio

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  3. É isso mesmo.Passado e presente se unem e limites tem que existir sempre.A falta de limites resulta em insegurança,e principalmente as crianças precisam entender e sentir esta verdade.
    Este ciclo nunca para e experiências de vida , maturidade não se escrevem em manuais.Na maioria são transmitidos por exemplos.bjs querida!

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  4. Lindo e emocionante texto. Parabéns e muito obrigado! Axé.

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  5. Minha Iluminada Amiga ...
    É com imensa alegria que divido a esperança de construirmos pessoas melhores para um mundo melhor ...
    Ao invés de pensarmos que mundo deixaremos a nossas crianças devemos refletir e pensar em que crianças deixaremos para o nosso mundo ...
    Raízes e Asas...
    Raízes que alimentam e fortalecem a personalidade, vem de berço, vem da família, vem de casa ...
    Asas, é o que o cada um de nós vai criar e fortalecer, precisamos de asas sempre fortes para voar e ganhar o mundo ...

    Parabéns ... e sempre prazeroso a leitura de seus "Post" ...

    Abraço e muita Luz

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  6. Estabelecer limites é essencial.Excelente texto. Parabéns!

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  7. Educar. Ainda acredito muito nesse verbo.

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  8. Andrea,
    Impotantíssimo seu texto para os tempos atuais.
    Dizer não na hora certa é amor, estabelecer limites é amor e cólo é amor por excelência.
    Parabéns, menina!
    Abraço grande em tu: Liduina.

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  9. Otimo texto, está de parabens pelo seu otimo conteudo !!!

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  10. Andrea,

    Cá estou para comentar, atendendo a pedido seu pelo Twitter.

    Creio que o buraco é bem mais embaixo e tem uma dimensão muito maior e mais profunda. Há espíritos que já reencarnam na revolta e aprontam desde criança, pois eram marginais no baixo astral antes de adquirirem novo corpo físico.

    Quantos, mesmo nascendo num bom lar, de pais corretos e tendo acesso a uma ótima educação formal, ainda assim dão muito trabalho e desgosto para a família e não se "endireitam" até o fim da vida?

    Fato: ninguém se torna um sociopata ao longo dos anos, ele já nasce com esse tipo acentuado de desequilíbrio. Conheço de perto uma criatura que só piora com o tempo, ficando cada vez mais difícil no convívio e colecionando inimigos com extrema facilidade. Teve todas as chances para ser uma pessoa ajustada socialmente, mas seu espírito simplesmente é trevoso e sente muito prazer em ver os demais se dando mal, ainda mais se puder contribuir para isso.

    Acho que o papel da família, da sociedade, da religião e do Estado são limitados e, portanto, seria muita ingenuidade e até pretensão algum deles querer "endireitar" de vez pequenos marginais. Acredito que a Vida, essa sim, é que tem reais condições de encaminhar cada um para o seu melhor, dentro de um processo evolutivo sem fim. Ela tem paciência (afinal, é eterna), sabedoria e recursos para cuidar de cada um de nós, de acordo com nosso grau de maturidade e vontade ou resistência em evoluir.

    E, muitas vezes, um ser só perde sua arrogância e maldade depois de sofrer muito em inúmeras vidas. Daí a necessidade atual de expurgo planetário, faxina espiritual. Mas isso é outro assunto...

    Luz para todos.

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  11. Sem sombra de dúvida a religião - todas, sem excluir uma só que seja - exerce uma influência muito positiva no resgate desses 'elefantes jovens', que se revoltam em grupo, causando sofrimento ao próximo e a sí próprios. O problema é o meio ambiente em que vivem, convivendo com toda espécie de miséria humana? Sim, é. Agora devemos analisar o cenário amplamente e, após refletir, concluir quais fatores são responsáveis pela criação desse meio de vida insalobre? Onde estão os valores éticos e morais da sociedade?

    Não duvido da importancia da religião, mas não precisa ser crente pra ter moral, pra agir com ética em tudo na vida. Se os filhos precisam de pais, todos precisam uns dos outros, afinal vivemos em sociedade e tudo que acontece é resultado das ações deste grande grupo de seres humanos interconectados.

    Acho que libertar-nos uns aos outros é importante, principalmente no que tange a liberdade de opção, seja ela qual for, desde que saiba-se, de partida, que tudo tem seu preço ou paga. Optei pela Umbanda, mas minha visão não me permite enchergar com bridão, a visão periférica é essencial àqueles que pleiteiam mais liberdade.

    O dia em que deixar-mos de nos cercear, esconder, pertencer ou fazer parte desta ou daquela religião, deste ou daquele partido político, de um de outro time... este dia trará a paz ao mundo, será a verdadeira e eficaz receita de combate às injustiças sociais e seus frutos malditos. Quando acabar o conceito de competição, naturalmente colaboração é o que teremos. Os recursos do Planeta Terra são limitados, vivemos numa ilha em meio a um cosmo inabitável à raça humana materializada. Só uma sociedade colaborativa terá sucesso e nos dará a chance de um futuro, a todos nós, crianças, filhos e filhas de Deus.

    Saravá!

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  12. Quando estava na faculdade (cursei Psicologia), eu tive um profwessor que dizia o seguinte:

    "Não existe crianaç que não goste de um bronca, se ser chamada a atenção ou ser posta de castigo". Na primeira vez em que ouvimos isto me lembro de uma colega rindo e dizendo,"esse cara é louco", ele é que está precisando de um psicólogo". Com o passar das aulas fomos entendo a grande verdade por tras desta frase aparentemente incoerente.Vimos tantos exemplos de crianças que desafiavam seus pais, família, escola, etc, simplesmente porque se sentiam abandonadas emocionalmente, sem rumo e a única maneira de fazer o adulto reagir e indicar um caminho era através da rebeldia. Parece coisa d emaluco não é, mas é a mais pura verdade.Deixar o barco correr é o mesmo que dizer "não me importo com o que você faz nem com o que te acontece". Ninguém gosta de ser ignorado e principalmente uma criança que é carente de carinho e de guia. Somos crianças na espiritualidade e tal qual necessitamos da ajuda de nossos mentores, da espiritualildade maior, muitas vezes repetimos esse comportamento rebelde simplesmente para conseguirmos atenção.Texto sábio como sempre minha irmã.Bjkas!!!

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  13. EU....Humilde espírito em desenvolvimento...faço minhas suas sábias palavras!!!! (e quem sabe um dia vou ai, conhecer o terreiro do Pai maneco)Axé minha querida!!!

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  14. Muito bom o seu texto. As crianças já nascem em uma conjuntura doentia, controlada por regras e leis criadas pelo homem, divergentes do plano de Deus. Cabe a nós que temos consciência lutarmos e contribuirmos juntos para a construção de um mundo melhor.

    "The world is not dangerous because of those who do harm but because of those who look at it without doing anything." ~Albert Einstein

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  15. Li tudo, engasguei em uma parte que não sai da minha cabeça, quando você diz que as crianças tratam os adultos como iguais. O pior é que essa sociedade torta espera mesmo que tratemos as crianças como iguais, o que é ridículo. Tratar com amor e respeito não é tratar como igual. Crianças devem respeitar os mais velhos, e não ter o mesmo direito de voz, elas não tem vivência e sabedoria para isso. Adorei os exemplos que deu. Os textos deste blog são sempre ótimos. Parabéns!

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  16. Andréa, desculpe a demora pelo retorno, mas muito obrigada pelo seu comentário no meu blog.
    Concordo que a Umbanda vai muito além do que escrevi. Infelizmente não pude colocar tudo em uma matéria só, vc sabe bem como é, tanto que tem um blog só para esse tema, não é? rs
    Aliás, gostei muito dos seus textos, já estou seguindo aqui.
    Obrigada novamente pelo comentário. Informações novas são sempre bem vindas, ainda mais de quem é personagem do tema escrito.
    Beijos.

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