quarta-feira, 2 de março de 2011

Ponto Riscado

Passei anos da minha infância, ao fechar os olhos antes de adormecer, vendo um semi círculo verde. Não fazia a menor idéia do que era aquilo e um dia este círculo se fechou e nunca mais o vi. Faz já um tempo razoável que minha infância acabou, mas tem certas coisas de que não esqueço.
Consumimos e decodificamos símbolos 24 horas por dia. Tudo é permeado de múltiplos sentidos e se manter são no meio de tanta informação é um ato heróico. Temos que decifrar as sensações do dia, a percepção que temos das pessoas e dos fatos, reler o que a mídia nos passa além do que ela mostra. Sinceramente estou mais convicta hoje que as crianças precisam mais do que filosofia nas escolas é de um bom entendimento de semiótica.
Até você ter certeza absoluta que está mesmo incorporando na Umbanda leva um tempo. Talvez uma das maiores provas pessoais sejam os pontos riscados, que é basicamente a assinatura da entidade por meio de símbolos. Uma das que mais marcou na minha experiência pessoal foi o do Caboclo das Sete Cachoeiras, linha de Xangô. Primeiro porque eu pensava que era um caboclo de Oxossi, segundo que na época eu não sabia da existência desta entidade maravilhosa e terceiro porque me veio à lembrança uma outra coisa que marcou minha infância.
Meu avô,o Amadeu Destefani, conhecido por todos pelo apelido de Lulo, era uma figura fantástica. Ele dizia que as 7 quedas iam acabar e todos o chamavam de louco.Ao receber seo Sete Cachoeiras lá estava a lembrança dele comigo novamente. Sempre pensei que meu avô fosse um tipo de xamã com estilo muito próprio de ser. Adorava fazer esculturas com troncos que iam dar nas areias da praia de Barra Velha. Certa vez fez uma sereia e colocou ao sol, no fundo da casa que dava para o lago, para secar o verniz. Não pôde tirar porque os pescadores iam pedir a benção a ela antes de irem ao ofício. E aí me lembra uma outra entidade que recebo, seo Beira Mar. Meu avô era de fato um cara que amava a naturezaentão é natural que todas estas coisas me lembrem dele.
Círculos e círculos. O círculo é o símbolo mais antigo para a representação de Deus em várias religiões. Me atrevo a dizer que as entidades traçam meios círculos porque eles também buscam a elevação e a comunhão completa com o Divino.Setas que indicam direção e movimento, estrelas que iluminam os caminhos, cruzes que identificam nossas encruzilhadas pessoais e são bem anteriores à cruz do cristianismo.
Ontem na gira, outro círculo em minha vida, num ritual para a energia do perdão se movimentar e eliminar mágoas que pudessemos ter, me descobri uma pessoa feliz. Nestes tantos círculos que formei com a energia das pessoas que conheci, me foram acrescentados símbolos pessoais muito marcantes.
Meus avós que já se foram, minha mãe, alguns amigos que já não andam sobre esta terra fizeram a sua função no círculo verde que via quando criança. Outros ainda que participam dela e não fecharam ainda seu círculo em minha vida,mas me acrescentam na medida exata que evoluem. Como sempre falo nada anda sozinho neste mundo e agradeço à evolução de cada um, me faz um bem danado.
Às vezes as entidades não precisam de palavras para nos fazer entender uma situação. É o que precisamos entender na Umbanda. Para fazer uma energização ou uma limpeza na aura da pessoa sendo atendida não é necessário o toque físico, mas para se acolher e se mostrar solidário à dor nada melhor do que um abraço. Sinto falta destes círculos que já se fecharam e dos abraços que não vou mais dar, apesar de tê-los transformados em elos fortes de um círculo maior que circunda meu coração espiritual e que me fortalece.
Então vou usar as palavras símbolos de nossa época para montar um ponto básico pelo qual talvez você possa se nortear, nesta curta estada sobre a terra. Seja próativo: ame.  Recicle incessantemente seus sentimentos e pensamentos ruins, antes que polua sua aura. Seja objetivo: a sua versão de felicidade pessoal é a que vale, não a dos modelos que a mídia expõe. A vida é interdisciplinar: em tudo e em todos há condições de você aprender algo novo.Cada pessoa que está na sua vida é um pequeno símbolo de sua assinatura espiritual. Deus salve a pemba* que a risca. Deixe a gira de sua vida girar, com muita música , amor e bom humor.

Esta é mais uma mandala de meu amigo querido Marcelo Dalla
@marcelodalla 
http://marcelodalla.blogspot.com/ 

*pemba é , a grosso modo, um giz  confeccionado em calcário e modulado em formato ovóide alongado, e serve para, ao riscar, estabelecer ritualisticamente o contato vibratório com as energias cósmicas dos Orixás.

15 comentários:

  1. Tudo na vida é cercado de simbolismos. Interpretar e entender é trabalho de grande sabedoria.

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  2. Caboclo 7 Cachoeiras, Caboclo Beira Mar e Xangô, como seus textos rondam meus pensamentos !

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  3. Olá, muito interessante o texto. Eu sempre quis saber sobre o ponto riscado. Uma vez eu vi Pai João da Paz uma entidade que o Luiz Gasparetto recebe fazer o ponto riscado. Eu nunca perguntei ao Gasparetto e nem ao Pai João, só fiquei admirando todo o ritual. Bem, que bacana entender agora os significados.
    Parabéns!!
    Beijos

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  4. Concordo em relação à semiótica. Durante muito tempo, as pessoas se preocupavam em obter a informação. Hoje, o desafio é filtrar e interpretar.
    Textos, símbolos, ciclos.
    Mistérios da vida.

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  5. Olha que coincidência (?)! Ainda ontem, conversava com um amigo de uma lembrança desse tipo que tenho da infância... é muito nítida para mim até os dias de hoje. Lembro-me que havia algo parecido com um tabuleiro, só que não era xadrez, sera cheio de símbolos. Eu jogava "mentalmente" aquele jogo com alguém, durante horas e horas, de olhos fechados e deitada em minha cama.... rsrs Interessante que eu levantava e não lembrava das regras, nem nada. Só lembrava do prazer de ficar à frente daquele tabuleiro, jogando com alguém muito, muito querido. Ah! Nunca tive coragem de falar com ninguém a este respeito, mas até hoje, fico imaginando qual seria o significado.

    Parabéns por mais este texto, você nos brinda com sua perspicácia, sensibilidade e inteligência, a cada post publicado.

    Felicidades, querida!
    Mirian
    @MirianGJardim

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  6. Salve a Pemba!
    Salve Caboclo 7 Cachoeiras!
    Salve Caboclo Beira Mar!
    Salve a Umbanda, a vida, e minha miga Andréa Destafani.

    Ahhh querida. Estou suspirando aqui com seu texto, que li logo após falar com uma querida amiga que não via há mais de 15 anos.
    Que loucura boa tudo isso.
    A imagem ficou linda aqui, é uma honra...
    Deixe a vida girar!!!!!
    bjos no coração

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  7. Maninha adorei seu texto e pensando bem aqui, tudo faz sentido quando lembramos do passado, mas como eu sempre falo tudo tem um porque e um pra que!!!Todos tem um caminho e acho que na nossa vida diaria se soubemos administrar esses ''circulos'' poderiamos ter a sabedoria pra poder andar com mais facilidade!!O grande circulo da vida é ardua porem DIVINA e como sempre uma escola!!Saravá a Umbanda, Saravá a Pemba!! E só tenho a agradecer a eles pelos ensinamentos e ter a certeza que estão sempre comigo!!!Um grande Bj @karinaandrade7

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  8. Amiga há muito deixei minha atuação na Umbanda e hoje transito por coisas e energias mais sutis. Porem, com tantas informãções lindas que vejo aqui, sinto que estou voltando pra casa em meus estudos.
    Obrigada por nos presentar com tantas coias boas
    bjos
    Dea

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  9. Nossa, lindo texto!
    Realmente é estranho que lembranças da infância ainda permeiem nosso subconsciente, vez em quando. Às vezes tenho sonhos tão lúcidos e me lembro que os tinha iguais há anos atrás.
    Fugindo dos símbolos... uma imagem que vivia aparecendo pra mim (aos 3 ou 4 anos) era de um poço raso e seco, onde vários pardais mortos descansavam. Ao levantar os olhos, eu enxergava muitas pessoas vestidas de branco e caminhando sérias, algumas conversavam entre si. Era tudo muito calmo. Um dia eu contei o sonho pro meu pai carnal (Babalorixá Pai Johnny d'Ogum) e ele disse que aquilo poderia ser uma lembrança de antes de eu nascer, quando aguardava o corpo físico. Talvez seja, não sei ainda. Mas um irmão meu disse que teve o mesmo sonho, só não viu o poço ou os pássaros, mas foi além... contando que entrou num corredor muito claro e foi ficante pequeno e pequeno até ter o tamanho de uma criança, então acordou.
    Quem sabe estes sonhos de criança não são passagens que vivemos e que nossos espíritos ainda nos permitem lembrar...?
    Enfim, já recebi, por sonho, os pontos do meu caboclo (Oxóssi Sete Flechas) e do meu preto (Pai Joaquim de Angola)... mas não estou certo se já estou preparado pra mostrá-los, por isso mantenho eles dentro de mim mesmo, até ser "intimado" pelo Babá (rsrs).
    Mais um texto lindo, Andréa, e tenho certeza que o seu avô está muito orgulhoso do trabalho que fazes tanto aqui, quanto nas giras.
    Axé, que a mãe Oxum esteja sempre na tua vida. Beijos ^.^

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  10. Olá querida amiga...
    Adorei seu texto.. já te falei que quando os leio, ouço sua voz nunca falada aos meus ouvidos.. rsrs
    Sabia que desenho e pinto mandalas? gosto de fazê-las ouvindo músicas.. e quando é uma encomenda, o anto da pessoa fala tão alto que quando vou entregar, a aceitação é imediata e 100%..
    Salve a pemba - Pembê!
    grande beijo
    karina

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  11. Otimo texto, trazer as mandalas ritualisticas para simbolos que já fizeram parte da nossa vida em algum momento, mostra como a espiritualidade vem trabalhando conosco desde antes da nossa encarnação atual, o que nos leva a pensar....será que cada pessoa que passou pela minha vida não tem um papel importante na minha missão, nesse planeta?

    Abraços e até mais....

    Arthur Sinnhofer

    http://aeacd.wordpress.com

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  12. Olá amiga,
    Interessante seu texto e curiosa sua explicação, quando diz que cada pessoa que está na sua vida é um pequeno símbolo de sua assinatura espiritual. Essas pessoas que entram e saem de nossas vidas nos dando a oportunidade de reciclar os pensamentos e as nossas ações, deixam marcas que nos permitem simbolizar o estado emocional e de evolução pelas quais passamos. Entendo que as entidades se utilizam de símbolos para indicar as linhas pertencentes ou o grau de evolução em que se encontram.
    Concordo quando você diz que “para fazer uma energização ou uma limpeza na aura da pessoa sendo atendida não é necessário o toque físico, mas para se acolher e se mostrar solidário à dor nada melhor do que um abraço”. Nada demonstrar maior carinho e compreensão do que a terapia do abraço, em demonstração à importância do outro ser, em sua vida, naquele momento.
    Pois, em nossa vida, há também, aqueles círculos que não se fecham completamente e são presenças constantes nos forçando ao entendimento de que nada é por acaso, testando nossa força espiritual e a nossa capacidade de amar.
    Enfim, o ponto riscado na Umbanda, acredito representa a trajetória da vida espiritual das entidades, assim como as fotos e pequenas anotações nos trazem recordações da nossa vida, num caminhar de amor e evolução na aquisição da felicidade, ou, de ódio e decadência nesta curta permanência sobre a terra.

    Abraço fraterno,
    Raquel.

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  13. Uma tentativa de visualizar a quarta dimensão: Pegue um ponto, estique-o em uma linha, enrole-o em um círculo, torça-o em uma esfera, e passe através da esfera ~Albert Einstein

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