domingo, 5 de junho de 2016

Quando a Jurema Chorou

Um dia após a gira e eu ainda com ressaca moral.Chovia e eu no supermercado cheio,lá fora meu marido me esperava no carro. Voltei e no meio do caminho encontramos o único pedinte do centro de Colombo, ele havia dito que tinha fome e meu marido pediu para dar dois pães. Enquanto ele mordia um deles veio uma pergunta da boca do pai dos meus filhos, que talvez fosse um eco da humanidade: como um miserável pode alimentar outro?
Ontem a cabocla Jurema desceu chorando. A mata chorava por seus filhos: como miseráveis alimentando miseráveis.E ali a mata perguntava: do que se alimentam os filhos de Umbanda?  Do que vive o seu médium?
As crises e só as crises é que nos elevam o espírito.Não se pode dar o que não se tem. Se eu doo dinheiro ,ele não me pertence, se eu doo pão ele nunca foi meu.A única coisa que tenho é minha alma e é ela que está em doação,poucos entendem.
Há toda uma preparação para uma gira: a nossa só depende de nos abster de prazeres por 24horas, para as entidades é se abster da vida (no sentido espiritual que está longe da nossa compreensão) por uma existência nossa.São pactos estabelecidos para que outros descubram o prazer de respirar aliviado.
A tristeza impera neste mundo pesa toda nossa atmosfera. O ar se renova pela troca e com a energia não é diferente: o que dou de mim mesma me transforma e muda o mundo inteiro.Busque na Umbanda quem é você e descobrirá o outro em ti.
Experiência espiritual é algo individual,não há como envolver o outro em sua missão.Se quem ama é evangélico, católico, espírita,satanista ou ateu diz respeito a quem ele é e não a quem você é, assim como o contrário é verdadeiro. Cada coração tem uma morada e este deveria ser um direito irrevogável.
Quando alimento o outro desconhecido que bate à minha porta, alimento a mim mesma.Antes de abrir o terreiro, não me achava digna disto.Enquanto eu chorava por meu ego corrompido,alguém batia na porta: eram duas crianças amigas minhas e o Wellington (o que aparece de touca nesta foto) dizendo: porra Andréa você demorou para abrir esta porta hein? 
Demorei.E sabia que era pra sempre. Desde então tem sido demanda em cima de demanda, curas preciosas e precisas e muito, muito aprendizado. O que a Umbanda tem me dado ninguém me tira: aprendizado.
Não tenho tudo o que quero, mas exijo que cada entidade dê dignidade aos seus médiuns. Dignidade nem sempre é vista como uma forma de poder,mas é uma base de sobrevivência. Ontem aprendi que para ser digno de ser presenteado com meios de dignidade há de se ter o mínimo de humildade- que é um processo individual de aprendizagem.
As palavras enganam então na Tenda de Yansã e Ogum Beira Mar ninguém pergunta o que quem entrou pela porta está buscando, apenas damos abertura às entidades para que o façam da melhor forma possível para que nosso próximo possa caminhar o resto de estrada que lhe resta nesta existência.Sigo o que as entidades pedem,então o nosso terreiro não é melhor nem pior que nem um outro: é um local para o cumprimento da Lei Maior de Umbanda. 
Aos médiuns deste chão peço que dêem às suas entidades dignidade também. São portadores de almas como nós,somente estão em planos diferentes dos nossos e são tão trabalhadores na fé como somos. Querer dominar uma entidade é regredir à época da escravidão. Que cada um abra sua porta com cuidado,porque certas portas jamais se fecham e outras jamais abrem. Saravá a todos! 

2 comentários:

  1. Nossa me senti em casa em suas palavras, nossa Umbanda é bem isso!!! Lindo mesmo, que Oxalá abençoe a todos! Saravá irmãos!??

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