segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Lembranças

Ainda me lembro do velho Kaminski entregando pão lá em casa, numa carroça, e me dando bolacha de polvilho para experimentar. Lembro também da minha mãe grávida da minha irmã mais nova, e eu olhando para aquela barriga e pensando que o nenê devia estar lá sem ar nenhum. Lembro das árvores da minha casa, lembro de meus irmãos e eu juntando maçãs para o strudell, peras  e pêssegos para as sopas de frutas. Lembro do primeiro ônibus expresso que peguei em Curitiba, muito mais devido à uma abelha que me picou atrás da orelha do que o ônibus em questão. Lembro das pequenas e das grandes coisas e vejo, conforme o tempo caminha, que as lembranças vistas de um ponto diferente na história  , apesar de continuarem as mesmas ,têm novas cores.
Creio que as pessoas deveriam ser respeitadas em primeiro lugar porque são um depósito vivo de memórias, que de uma hora para outra vêm à tona para auxiliar os mais novos, ou resolver situações das mais diversas. Principalmente a maior de todas as ilusões: a de que o que você está passando no momento, nunca vai acabar - ou pior- de rotular esta situação como boa ou ruim, coisa que só o tempo pode nomear.
Sempre tive uma admiração muito grande por amigos do meu pai , que discutiam coisas que eu não entendia sobre o crescimento da cidade e do seu passado. Na verdade, eu não gostava de um, que insistia em chegar na minha casa ir direto para o porão e , com um cabo de vassoura, ficar batendo no chão e nos chamando de bruxinhos. Minhas memórias, assim como de cada ser , são os elementos fundamentais do que sou hoje. Até os detalhes, como a figura enorme na minha sala do barqueiro do inferno, feita por Doré e ampliada pelo meu pai, até o arco e flechas penduradas na parede da mesma sala, com negativos e fotos por todos os lados.
Foi a primeira vez que trabalhei junto com uma preta velha. A senhora sentou à sua frente e ela a reconheceu de imediato. Ficou comentando algumas passagens da infância daquela senhora. Como sempre fora arredia aos benzimentos daquela preta entre tantas outras coisas pessoais que falou. Alguns dias depois, soube que a avó daquela senhora teve um terreiro em Goiânia e recebia uma preta que a benzia e que tudo que foi falado condizia com o que havia ocorrido. Fiquei pensando muito sobre isto e acredito que só o fato de haver alguém, neste ou no outro plano, que saiba quem realmente somos e que compartilhe das mesmas lembranças já é um alento e elemento fundamental de cura. 
Criamos vínculos com as entidades, sejam elas parceiras no trabalho dentro das giras ou fiéis ouvintes das nossas angústias e alegrias. Embora não tenham um corpo físico visível, são da mesma matéria espiritual do que as nossas, guardam em seus corações espirituais lembranças do que eram e do que fomos. Possuem sentimentos, e têm um entendimento das situações  muito maior do que os nossos. Merecem nosso respeito - demonstrado quando nos entregamos junto com eles ao propósito umbandista, sem limitações como o orgulho e a intolerância.
Como a Umbanda é nova, temo que às vezes as pessoas queiram inovar demais, ou melhor, serem indicados como 'promotores' da inovação na Umbanda, para ficarem na memória. Ledo engano. Quem fica na história é quem consegue lidar melhor com a ligação entidade- médium e auxilia a uma comunicação e atendimento cada vez melhores. Já citei diversas vezes o Pai Fernando Guimarães aqui, hoje vou citar uma mãe de santo lá de Goiânia,Raquel Elcain, com também vários anos de religião, que postou uma experiência dela neste blog- na postagem Mocidade na Umbanda: " Isto me faz lembrar da minha filha Rafaela, também minha filha no santo, quando começou seu desenvolvimento, ao receber a preta velha para atendimento, no término dos trabalhos ela dizia assim: mãe a tia Anastácia passa umas ervas para as pessoas e eu não consigo falar, eu não entendo, não sei que ervas são, tenho medo pois são nomes que nunca ouvi falar. Sempre ensinei aos meus filhos no santo tudo que sei, jamais omiti qualquer ensinamento e, com ela, não pode ser diferente. Peguei um livro “o poder das ervas” e disse: estude. Quem sabe você entenda e ouça melhor a mãe preta.
Cada história de cada ser humano daria um livro, uns maiores, outros menores, mas repletos de conteúdo. Os melhores conteúdos são aqueles em que a coragem prevalece - elemento primordial para evolução- bem como o amor compartilhado e o aprimoramento do espírito na simplicidade. Espero sinceramente que eu possa ter trazido a você que me lê, boas lembranças de sua infância e que com elas sua semana seja bem melhor!

24 comentários:

  1. Querida Andrea

    CADA HISTÓRIA DE NOSSA ESSÊNCIA SERÁ SEMPRE MAIS UM PASSO PARA A EVOLUÇÃO.
    E AS PENDENGAS NÃO RESOLVIDAS VIRÃO NOVAMENTE NAS VÁRIAS RELAÇÕES HUMANAS PARA QUE TENHAMOS AMOR E CORAGEM PARA DESVENCILHARMOS DAS AMARRAS DO RANCOR E DO ÓDIO.

    Marisa Cruz

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  2. Nossas lembranças são nossas referências. As raízes que nos mostram de onde viemos, pra onde vamos, seja no plano físico ou no sentido espiritual.
    Precisamos dessas memórias para nos sentirmos vivos, pulsantes, vibrantes e também felizes, por que não?
    Adorei ler as suas lembranças. Consegui quase visualizar as cenas. E reacendeu também as minhas. Obrigada. Foi um exercício bom, de paz.
    Linda e abençoada ssemana pra você também, minha linda dinda! Te amo!

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  3. Na percepção de uma criança está a verdade absoluta e clara.Qdo crescemos começamos a enxergar as coisas com possibilidades diferentes, por isso as lembranças da infancia são tão fortes e marcantes. Nossos amigos invisíveis, nossos sonhos, nossa percepção espacial, são a preparação para sermos hj quem somos. Adorei o texto!!!!!

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  4. Lindo o que vc escreveu!
    É emocionante pensarmos em cada ser humano como um depósito vivo de memórias, vivências, experiências... e que cada um leva consigo suas visões, suas dores, seus amores, vitórias e frustrações.
    Sempre que olho fotos antigas de minha família sou tomada por essa sensação de profundo respeito por cada vida individualmente e por esse fio da existência!

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  5. Quem tem lembranças se situa,quem não tem se perde.Glaucio Elias

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  6. Bacana! Estava precisando ler algo assim...
    Beijos

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  7. Esta coisa de sintonia é incrível.Esta semana tenho me lembrado de coisas de quando era criança.Gostos, cheiros,roupinhas que não fazem igual nunca mais, pessoas, lugares, coisas boas que nos fazem rejuvenescer.
    Penso que a memória é uma riqueza insubstituível e que cada um traz consigo um tesouro próprio.Ninguém tem as mesmas memórias, ninguém vivenciou as mesmas coisas.Lindo e incrivelmente mágico.Realmente voc~e falou tudo:"respeito por cada vida individualmente e por esse fio da existência!" Precioso fio que nos interliga...beijos querida!

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  8. Que doçura neste seu texto, deu até para sentir no ar :)

    E, que privilégio ter convivido tanto tempo com uma gravura do Doré, hehe...

    Bjs!
    raph

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  9. Nossa! Simplesmente TOCANTE!! Acho completamente impossivel ler um texto assim e nao se sentir bem1

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  10. Legal ver a importância das lembranças na nossa evolução espiritual. Fico triste porque minha memória não consegue ser tão fiel... Adorey! Bjs

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  11. Mais uma vez, adorei seu texto. Estou aprendendo muito com você. Espero um dia conhecer o bastante dessa linda religião.

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  12. Minha irmãzinha querida, mais uma vez estamos em sintonia....ontem estava conversando com minha irmã em casa e nos lembrando de antas coisas boas que vivemos com nossa família ao longo dos anos. Lembranças principalmente de nossa infância, sempre recheada de muito amor, muitas risadas e muitas histórias. Toda esta bagagem é o que faz de nós o que somos hoje é também o que nos faz "encher" um pouco mais a nossa malinhan espiritual, a única bagagem que lavaremos para o outro plano. Como médium também sinto que cada uma das minhas lembranças e experiências me ajuda a melhorar o meu trabalho e a entender melhor a comunicação dos amigos espirituais. Obrigada por dividir suas lembranças conosco, me sinto entrando em um livro mágico, como no filme Coração de Tinta. Beijos de luz!!!!

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  13. Que lindo Andréia!
    Obrigada por nos brindar com suas memórias.
    Somos frutos de nossa história. Estamos sempre inacabados, em constante construção e reconstrução.
    Somos seres espirituais em corpos físicos em busca de evolução.
    Salve as almas!
    Beijos
    @accfranca

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  14. Não só trouxe boas lembranças como me fez entender o porquê de eu ter me encantado tanto quanto um caboclo me contou coisas da minha infância que ninguém ali sabia. Ele compartilhava as mesmas lembranças que eu e isso foi mágico para mim. Muito obrigada pelo texto!

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  15. Lembranças trazem mais vida. Devemos viver muito bem o presente, mas sem a pressão que muitos impõem, mas com sabedoria. Viver e ter calma para pensar no certo e errado, para que, lá na frente, sejamos respeitados por aquilo que fizemos e fazemos. Olho histórias como a de Martin Luther King e penso: Poxa, esse cara deu vida eterna ao passado dele. Sim, memórias têm vida.

    Parabéns, grande amiga.

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  16. Realmente Andrea, relembrar é reviver. O engraçado é que algumas lembranças são tão ricas de detalhes, e outras apenas resquícios, alguns minúsculos insights. Ótimo texto como sempre. Que nossa vida não seja em vão, e que as lembranças que deixarmos sejam apenas de coisas dignas de louvor e de alegria.

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  17. É verdade,o texto me fez retornar a minha infância onde comecei a perceber o mundo espiritual. Acho que para não me assustar eles apareciam iguais aos anões da branca de neve e passavam horas conversando comigo.Que saudade!

    RicardodeOgum.

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  18. salve deia.
    muuuuito bom amore.
    axé.
    pai kiko.

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  19. Estou muito feliz por ter lido esta primazia. Dentre os posts seus, elegeria este como o mais bonito, porque me despertou as mais íntimas emoções. Veja se me entende: se um texto seu faz lembrar alguém de que gostei ou gosto, por algum motivo, é bom. Mas se me faz lembrar de mim, se me leva antes pra minha essência do que para outra, é fantástico! Lembrei-me de coisas maravilhosas, sem dúvida. Por uma crível coincidência, ontem criei um álbum no Facebook com fotos de Boraceia, uma cidadezinha no interior de SP onde mora 99% da família de minha mãe. Toda vez que vou lá (e tenho ido muito apesar da distância), entro em contato comigo. Acho que Umbanda é mais autodesenvolvimento do que outra coisa, porque a gente consegue auxiliar o desenvolvimento do próximo na medida em que nos desenvolvemos. É algo professoral, e como eu tenho paixão por ensinar! E por falar nisso, em breve devo finalizar minha iniciação científica na qual estudo a Umbanda. Pretendo transformar em TCC, já que estou indo para o último ano do curso. Seria um privilégio poder visitar o terreiro onde você trabalha, ainda que esse "campo" me custasse uma pequena distância. Bom, são planos que, para prosseguirem, precisam de um aval seu. :) Tenha uma semana esplêndida! Não poderia continuar meu caminho sem ter lido, hoje, esse texto. Abraço carinhoso da amiga,
    Marcela Marcos

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  20. Marcela querida, para visitar o Terreiro do Pai Maneco não precisa do meu aval: é uma casa aberta a todos sempre e tenha a certeza que serás bem recebida!
    Agradeço a todos que aqui postaram até agora suas opiniões, pois tenham a certeza que sempre engrandecem meu texto com isto. Saravá!

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  21. Andréa. Adorei a leitura.

    Principalmente quando pôs a filhota pra estudar. Bem fez antes que viesse um puxãozinho de orelha de lá né? rs. Estou brincando, com carinho.
    Estudar faz parte do nosso caminho. Será sempre assim. Afinal o Universo não para.

    Beijo no coração.

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  22. Amo seus textos, Andréa, sempre repletos de ensinamentos e sentimentos; às vezes nos sentimos envolvidos em seu contexto, a sua facilidade em descreve os lugares... e, as situações... é incrível! É também um privilégio ser lembrada e mencionada por você ......” hoje vou citar uma mãe de santo lá de Goiânia, Raquel Elcain,...”. São poucos irmão de fé que se harmonizam entre si e transmitem tanto carinho, como você o fez.

    Seu texto nos direciona ao passado, às lembranças guardadas em nosso intimo e cravadas em nossa memória ... mas tão vivas em nós como o nosso presente, o nosso hoje.

    Durante a leitura recordei-me de minha infância, na minha idade de 10 anos, meu primeiro contato com a espiritualidade. Minha família por parte de mãe, e a própria, todos evangélicos. Uma tia, a Alzira, única espírita na família, recebia o Cosminho Pedrinho e, Eu, na doce ingenuidade de meninota, adorava ver “aquela tia” comendo açúcar e brincando de menino.
    Um dia o Pedrinho disse: menininha senta aqui... deixa chamar a Mariazinha em você para brincar comigo. Minha mãe quase morreu de susto e disse “Jesus tem mais poder”, no que ele retrucou: tia, quem é já nasce feito e contra tudo e a sua vontade, ela já nasceu. Bendito Pedrinho! Lutei contra minha família e seu preconceito religioso.

    Concordo plenamente com você, querida Andréa, quando diz: “ Cada história de cada ser humano daria um livro, uns maiores, outros menores, mas repletos de conteúdo. Os melhores conteúdos são aqueles em que a coragem prevalece - elemento primordial para evolução- bem como o amor compartilhado e o aprimoramento do espírito na simplicidade.” Quanta verdade!!!

    Minha curiosidade, em entender, como seria receber uma Mariazinha, me fez corajosa para enfrentar minha família – quanto a minha escolha religiosa. O amor compartilhado com as entidades me impulsiona em busca da melhoria do meu espírito no intuito de evoluir.
    E...Hoje sei bem o que é sentir uma Mariazinha na pele e sua energia espiritual. Há coisas que só as entidades conseguem prever. O Pedrinho não brincou comigo naquela época, mas hoje ele brinca com a Mariazinha (em meu aparelho), no nosso terreiro, incorporado na minha filha Rafaela!

    Obrigada Andréa pela menção e pela oportunidade de recordar mais uma dádiva que a espiritualidade me ofertou!

    Que seu caminho seja, sempre, iluminado pelos raios de Iansã mas embalado no aconchego do amor de Oxum.

    Axé e Luz em seu caminhar.

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  23. Fazia tempo que não passava por aqui. Saudade dos teus escritos...

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