quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Planície da Verdade

Um dia visitem uma pedreira.  Tem uma que visito, às vezes , aqui em Colombo. Sozinhos em meio àquela gigantesca energia somos compelidos a entrar em reflexão. Não há nada de esotérico ou místico nisto.  Gosto de andar nela e perceber cada detalhe. Um dia achei uma rachadura numa parte do paredão de onde escoava uma água pura e olhem, no alto dos meus quarenta anos, fiquei deslumbrada como criança que acha um doce. Havia vida ali e não me abstive de tocá-la. Água gelada que purifica nossa alma....
Em todas as culturas religiosas mais antigas e mais voltadas aos efeitos da natureza existem três elementos que sempre são citados: as pedreiras (rochas de grande volume e altura), os trovões e os raios e sempre voltados para a justiça divina . Os blocos de pedra mais cultuados no mundo estão no Muro das Lamentações. Trata-se do único vestígio do antigo templo de Herodes, erigido por Herodes o Grande, no lugar do Templo de Jerusalém inicial. Foi destruído por Tito no ano de 70. Muitos fieis judeus visitam o Muro das Lamentações para orar e depositar seus desejos por escrito nas fendas das pedras.
Sempre rio quando lembro do Pai Fernando falando que não adianta pedir algo relacionado à justiça terrena para Xangô,  pois ele não sabe onde fica o fórum.  Xangô é relacionado à Justiça Divina que é bem diferente. Tentar explicá-la é difícil então recorro aos grandes pensadores que em poucas palavras explicam o que é Xangô: "As almas em seus carros alados, quando antes de encarnar, chegam a um grande descampado, dão uma olhada para o alto. Contemplam em seus pedestais, a Justiça, a Beleza, o Pensamento, a Temperança, o mundo das idéias eternas e imutáveis, que ficam na "planície da Verdade", diz Platão. Logo em seguida, elas escolhem o que vai ser a "sua vida efêmera", à qual permanecerão ligadas por obra de Necessidade. Deusa caprichosa, ela, que tece seu fuso, e suas filhas, as temidas Parcas, cortam o fio da existência quando querem. Bebendo no rio do Esquecimento, prossegue o mito, perdemos a memória dessa escolha inicial de nossas almas - sem culpa nem responsabilidade de ninguém mais - cujo vínculo permanece no daimon, nosso guia e destino ao mesmo tempo." 
Platão podia ser umbandista, se fosse brasileiro e tivesse nascido no século passado. Em poucas palavras descreve a mecânica do que seria a Justiça Divina. Mas, a conselho da minha amiga Carolina Iantas, uma legítima representante de Ogum, percorri o caminho do conhecimento de James Hillman, o célebre discípulo de Jung.  Aqui gostaria de fazer uma colocação: eu , Andréa, creio que toda pessoa com mais de 70 anos anda potencialmente cercada pela energia de Xangô, porque a noção que têm sobre justiça divina, dentro de sua própria experiência de vida, nos é tão necessária que devia ser regra consultá-los sempre.
James Hillman tem hoje mais de 80 anos.  É sem dúvida um grande médium/cientista, ele diz o seguinte: "A psicologia exagerou a introspecção subjetiva. É preciso recuperar a conexão ecológica com o mundo". E esta conexão ecológica com o mundo de que ele trata tem muito a ver com Xangô e o entendimento da Justiça Divina.
Os caboclos de Xangô , em seus atendimentos, sempre nos chamam à razão sobre a importância de nossas próprias vidas, do nosso livre  arbítrio e de nossa conduta a respeito dele.  Hillmann fala que  faz apelo sempre baseado na  história antiga para afirmar que nossa biografia "não pode ser a história de uma vítima". Rebelando-se contra a idéia de que somos frutos de um código genético, de heranças ancestrais ou de acontecimentos traumáticos da nossa infância, ele afirma que o mito é ainda o lugar que nos permite "pensar com o coração e raciocinar com a alma", e assim encontrar o fio que une os pedaços esparsos da nossa existência. Portanto, o fio que tentarei usar hoje é da cor dos raios de Xangô.
Veja , se algo acontece em sua vida de muito marcante, há algo ali para ser aprendido. Já falei outras vezes que não gosto da palavra merecimento, por me parecer que há seres mais favorecidos que outros perante o Divino, quando na verdade, como também filha de Xangô , sei que todos são, de fato, iguais perante a Lei Divina. O que importa para Xangô é que haja entendimento da situação, apreendimento do conhecimento gerado, para então se partir para um novo aprendizado. As biografias das pessoas que se destacaram, e o próprio Hillmann as utiliza em seus estudos, nos ajudam a entender justamente este processo de entendimento para o merecimento.
Veja uma coisa: depressão é a doença da modernidade. Então , pelas palavras de Hillman quando alguém diz que está em depressão corre-se para tomar remédios fortíssimos e uma  terapia convulsiva para "ressucitar" o indivíduo. Na verdade, na vida comum, apenas nos levantamos e movimentamos para evitar a depressão. 
Todos nós ,de uma forma ou outra , queremos mudar, queremos evoluir, passar de nível neste video game que é a vida. Mas é só falar em perder que todos se negam de forma veemente. “A melancolia nos leva a um lugar onde podemos ver mais claramente as essências da vida,” diz Jules Cashford, um escritor americano. A tristeza é um grande professor que nos faz ver, se tivermos entendimento, o que precisa ser feito. E um grande ensinamento que tive foi de que é necessária a perda, as vezes, para haver mudança e tudo deve ser feito com coragem.
Medo é uma palavra que não existe no vocabulário de Xangô. É um guerreiro antigo, detentor da sabedoria e da temperança. E esta frase de Hillman representa bem a coragem de Xangô: "Sem tempo para a perda não temos tempo para a alma." Xangô representa nosso tempo para a alma pela disciplina, para o aprendizado e , torno a falar, entendimento.
Aí você pode pensar, que justiça Divina é esta que permite tantas tragédias pessoais, tantas pessoas más, cometendo todo tipo de atrocidade. Nos atemos nos fatos, nos lamentamos deles e julgamos os culpados. Hillmann nos leva neste ponto a uma reflexão digna de Xangô " A "semente má". Acho que na nossa cultura falta imaginação sofisticada sobre o aspecto destrutivo. Não entendemos essas crianças no Colorado, não entendemos Milosevic ou a menina de 11 anos que mata o menino de 4, não sabemos imaginá-los. Falamos do Holocausto para falar de Hitler. Mas Hitler é o verdadeiro mistério. O que é extraordinário é a possibilidade de fazer que os alemães e grande parte dos europeus fizessem a mesma reverência. O que é isso? Eu me proponho a pensar sobre o mal. Há muitas teorias. Alguns dizem que é o diabo, outros que é uma deformação genética, todos tem teorias. Não estou interessado nelas. A questão é pensar sobre o assunto. Imaginar essa parte da vida que, se não pensarmos por medo ou por ânsia negar, vamos acabar queimando alguém. "
Xangô é rei na "planície da verdade" de Platão onde há uma bela pedreira. Kaô Cabecille!


Para minha amiga paulista, que me escreveu dizendo que está em dúvida sobre seu Orixá, e que cada texto que eu escrevo sobre eles ela vê nas características grandes semelhanças com ela, digo o seguinte: todos nós temos um pouco de cada energia deles, porque eles no conjunto representam o Divino. Não há como se pensar num mundo onde só existisse a energia de Xangô. Como somos limitados apenas uma energia se sobressai e com certeza minha amiga quando descobrires qual é teu Orixá comandante verás que está em sintonia total.

Gostaria muito que prestigiassem a monografia de minha amiga Carolina Iantas: "O FOGO ATRAVÉS DO FOGO: OGUM E A CALCINATIO NO PROCESSO DE PSICOTERAPIA"

http://www.symbolon.com.br/monografias/CarolinaIantasFerreira-OFOGOATRAVeSDOFOGO.pdf


 

14 comentários:

  1. Como sempre vc está de parabéns pelo lindo texto.Como filha de Xangô fico muito feliz pela mensagem transmitida ...
    ")
    Como vc msm mencionou em sábias palavras Xangô representa nosso tempo para a alma pela disciplina, para o aprendizado e , torno a falar, entendimento.
    Que a sua justiça divina jamais nos falte.
    Kâo Kabecile!!!

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  2. Oi Andréa,
    sempre trazendo belos textos de reflexão, sabe se eu te contar que sinto essa mesma emoção as vzes quando vou a lugares que fui quando era pequeno e a anos ficou escondido nos meus pensamentos, até mesmo um cheiro me traz lembranças, e agora veio esse sentimento essa emoção ao ler seus texto e me lembrar de acontecimentos gostosos que já aconteceram mais que ainda fluí como realidade, beijos.

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  3. Cada texto seu que eu leio é um arrepio e aquela sensação de "precisava ler isso neste momento"...
    A espiritualidade também tem seus "caprichos", seus caminhos para nos chamar a atenção.
    Acho que merecimento é mesmo uma palavra pesada e discriminatória, que leva algumas pessoas a se sentirem menos filhos de Deus do que outras...mas, acredito que algumas, tem algo como "bônus" acumulados ao longo da existência e da vivência plena dos karmas e das ligações resgatadas.
    O básico da Justiça Divina, pra mim, é que todos temos uma chance igual, na "planície da verdade", uma nova oportunidade de resgatar as máculas do espírito em uma nova vida, com a bênção do esquecimento. O que nos diferenciará é o livre arbítrio que cada um tem.
    Estou em um processo interno de mudança e escrevo muito atropelado e confuso, as idéias se misturam e talvez não tenha conseguido ser tão clara quanto gostaria...
    Mas, antes que a Andrea pensasse que estou evitando comentar no blog, eu apareci, rsrs...
    O texto tem mais uma analogia brilhante (que eu adoro!)e nos prende à leitura do começo ao fim. Parabéns, minha doce amiga, que amo muito. Beijo! ♥

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  4. Tenho tbm muita ligação com a natureza, em perticular as matas,paredões de rocha eu evito,pois trago marcas na testa do último encontro.Mar eu respeito tbm tem marcas de encontros passados no psicológico. <hehehehh. texto muito bom.

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  5. como uma legítima filha de Xangô só tenho uma coisa a dizer ... PARABÉNS pelo belíssimo texto ...

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  6. FRANCISQUINHaaaaaaaaaaa....!!!!
    vou pisar mais na grama !!!! UH! \O/
    OBRIGADÌSSIMA de noÔÔÔÔÔvo!!!

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  7. Oi Andrea há alguns dias eu não passava aqui pelo seu Blog para aprender e deixar minha opinião. Como sei que você e uma pessoa muito sabia não vou me alongar nas explicações. O tema do seu texto me chamou a atenção: Planicie da Verdade, então aqui estou eu. Muitas pessoas costumam culpar Deus por coisas boas ou ruins que lhes acontecem, eu tenho uma opinião diferente a esse respeito, acho que Deus em sua infinita sabedoria nos dotou de consciência e inteligência para termos uma vida infinitamente maravilhosa, mas infelizmente as pessoas preferem tomar outros caminhos. A cidade alaga, foi Deus que permitiu? Não, nada disso, Deus quer apenas o nosso bem, quem fez o mal para que o desastre ocorresse foi o homem. Quando poluímos os rios, as praias; destruimos nossas matas, construimos em áreas de risco, estamos indo contra o propósito de Deus. Com certeza quando saímos do Seu propósito teremos um preço a pagar, d muitas vezes esse preço e a morte. Na maioria das vezes a causa do mal e a ganância, o desejo de ter a qualquer preço. Quando alguém tem de mais, alguém terá que ter de menos, e a lei da vida. Deus deu as coordenadas, basta seguir e ser feliz. Ele mesmo disse: no mundo tereis aflições, mas tende bom animo, eu venci... Ele tem a verdade eterna. Parabéns pelo texto.

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  8. Parabéns amiga pelo texto. Muito interessante,adorei!!

    Grande beijos

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  9. Amiga querida!!!!!!!
    Mais um belissimo texto, que faz refletir... aprendo muito contigo, viu?
    Gratidão!!!
    bjossssssss

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  10. Oi Querida...
    Sou filha de Xangô também, essa entidade maravilhosa que muito tem me ensinado nos últimos dias, onde me preparo para a grande batalha e persistência na minha reforma íntima...
    Iansã e Xangô... que dupla mais revigorante!! com todo respeito, lógico...
    Amei seu texto... sempre a surpreender!
    Beijo grande!

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  11. Aprendendo contigo..... Puxa vida, queria saber filha de quem sou eu... Sempre me senti filha de Yansã... Será que sou....???? Abraçoes e adorei o texto...

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