Trocando em miúdos, se eu prego uma verdade dentro da cultura do meu grupo e não a vivencio, não estou no lugar adequado. É lógico que todos nós erramos, não somos perfeitos, estamos em evolução constante. Assim como nosso rol de valores não é petrificado, ele também evolui.A questão é absorver os valores a tal ponto de externá-los com naturalidade, porque moral também se incorpora ao nosso físico. Como andar de bicicleta, valores se adquirem em grupo e se externam de maneira espontânea.
Uma mãe passa seus padrões morais a um filho para que ele não sofra ao se adaptar à sociedade, lugar em que ele vai se desenvolver como adulto, com bases sólidas para que seja feliz e livre. A nossa liberdade como umbandistas é "limitada" dentro da fé ,do amor e da caridade.Cada valor destes deve ser entendido para que exerçamos com ética nossa religião.
Pedi à mãe Lilian Maria Dallastra que escrevesse algo sobre ética umbandista e o texto que ela fez conceituo como uma base bem sólida para construirmos uma Umbanda cada vez mais voltada para a evolução. Peço aos meus leitores que nos comentários complementem, acrescentem, discutam porque sempre acrescentará a quem busca na religião crescimento e verdade:
Ética na Umbanda
Escrever alguma coisa sobre este assunto requer mais do que um
parágrafo, pois eu divido a Ética da Umbanda que pratico em 3 pontos:
Ética Sacerdotal
Subdivido esta
categoria em mais três pontos.
Respeitar os
fundamentos de outras religiões e de outros Terreiros de Umbanda é premissa
para ser ético como sacerdote. A minha verdade temporária é o que aprendi até
então com os guias que me regem e tais ensinamentos permeiam o terreiro que
dirijo. Além desta margem respeito todos os terreiros e seus ideais, regras e
fundamentos, assim como espero que o terreiro que dirijo seja respeitado. Neste
quesito, ser ético é não julgar o que não lhe compete. Outros dois pontos que
merecem citação é a relação entre o pai ou mãe de santo e seus filhos,além da
discrição entre assuntos confidenciais do filho para com seu pai ou mãe de
santo, a relação fraternal e philia
deve ser respeitada. Como assim? Explicarei...
O que um filho
de santo confidencia ao seu pai/mãe é por confiar no mesmo. O ser humano tem como
hábito (triste hábito) a necessidade de contar um segredo que ouvir como forma
de desabafo. Instintivamente isso acontece. O melhor amigo conta um segredo
para o amigo, que conta para seu melhor amigo, que por sua vez conta para outro
e por aí vai. Um sacerdote precisa ser ético com a sua referência e não
transferir o peso da confissão para outro. O que eu conto à você é para você e
não para um telefone sem fio. Pai/mãe de santo precisa aprender a não fazer
telefone sem fio! A capacidade de ouvir e discernir sobre o assunto sem
devaneios e auxiliar o filho fazendo-o pensar em soluções e caminhos diferentes
sem interferir no livre arbítrio e em sigilo é papel do sacerdote umbandista.
Um assunto que
para mim é algo simples de falar é sobre o envolvimento de filhos de santo com
seus pais/mães de santo. O amor, filosoficamente falando, pode ser classificado
em três vertentes: eros, philia e ágape. O amor Eros é o erótico, é aquele que
pertence à carne, o tesão, a paixão, o desejo.
Philia é o amor de pai para filho e vice-versa, aquele que ama sem
interesses, aquele que ama apenas por intenção da felicidade do outro, sem interesses
obscuros. Já o Ágape é o amor ao Divino, à Deus, ao Supremo. Não consigo
conceber outra forma de amor entre um pai/mãe e um filho que não seja o Philia,
ambos (pai e filho) vibrando no amor Ágape. Não consigo entender, mas sei
que existe e aqui também entra a ética...
- Ética dos Médiuns
Ser
médium não é fácil justamente por ser tão simples e ninguém acreditar nisso.
Ser médium é não fazer absolutamente nada que não seja ser instrumento nas mãos
de um espírito de luz. Sabiamente que todo médium deve estudar e procurar mais
conhecimento, mas isso requer ética para que não faça de seus estudos assuntos
de consulta. Ler livros, ouvir depoimentos e tantas outras fontes de
conhecimento são maravilhosas oportunidade de aprendizado, mas isso não pode
ser confundido com o saber do espírito que se incorpora. A mistura do “café com
leite” é fato, mas separar o que você pensa do que a entidade quer dizer é uma
prática necessária e ética. Se o consulente quisesse a sua opinião, falaria com
você e não com um guia. Já fui surpreendida algumas vezes quando minha resposta
era A e a entidade queria dizer B. Neste momento eu poderia intervir na
consulta, mas não o fiz. Assim também como a ética num momento de consulta
também é não quebrar regras da casa na qual você pertence. A partir do momento
que você aceita as regras de um terreiro, cabe à você ser ético e cumpri-las.
Além da ética está também a moral e os valores agregados ao convívio com os
demais.
Neste
caso é muito simples ser médium. Basta ser instrumento e não querer inventar
moda. Passe a mensagem do espírito e não queira ser mais que o espírito,
pois o espírito certamente não tem a vaidade que o médium tem muito menos a
pretensão em querer falar além do necessário.
Notoriamente
é importante falar também dos médiuns que adoram “posar de pai/mãe de santo”.
Saem por aí (incorporados ou não) dizendo frases do tipo:
- Eu sei com quem você trabalha na esquerda!
- Se eu fosse você pedia para jogar obi
novamente, pois acho que você não é de Ogum, é de Oxossi!
- Você viu aquele irmão que ficou no meio na
hora de Ogum de Ronda? Coitado, deve estar muito perdido...
- Tenho um recado da pomba-gira para você!
- Ei! Eu sonhei com o seu caboclo de Oxóssi!
Sei quem ele é!
- Sua cigana usa uma saia azul com listras
laranjas e bolinhas verdes!
Atitudes
como esta são totalmente antiéticas! Qual é o direito que uma pessoa tem de
determinar o que é ou não é para o outro médium? A vaidade faz as pessoas
fazerem muitas coisas, infelizmente. Hoje, como mãe de santo, não faço isso por
não me achar no direito de roubar o aprendizado do médium... Em contrapartida
das frases acima, eu responderia se eu fosse o médium vitimado da seguinte
forma:
- Que bom que sabe! Mas não abra a boca,
quero que ele mesmo que diga!
- Ainda bem que você não é meu pai de santo!
- Preocupe-se com a sua vida!
- Deixa que ela venha falar comigo!
- Que beleza! Quando ele quiser ele vem me
dizer quem ele é!
- A cigana não é minha, mas quando minha mãe
Cigana quiser algo, ela dirá incorporada no terreiro... Agradeço a intenção!
Neste
caso, ser ético é não se intrometer no desenvolvimento do outro. Ser ético é
ajudar seu irmão de corrente em dificuldades sim, mas não se intrometer na
espiritualidade. Há pessoas que se julgam tão boas na questão da
adivinhação, desdobramento, clariaudiência, clarividência e psicografia que não
sei mesmo porque vão ao terreiro... Se possuem toda esta mediunidade porque
possuem tantos problemas ainda na sua vida carnal? Será que com toda essa
informação espiritual ainda não adquiriram o equilíbrio necessário para se ajudar
e ajudar os outros sem atrapalhar? Enfim... aqui já foi mais um desabafo sobre
a minha indignação sobre o “Triste hábito”, breve texto que já escrevi sobre o
assunto tempos atrás.
A
ética do médium se resume em respeitar a Umbanda da casa que pertence, não se
intrometer na espiritualidade dos outros e ser fiel as mensagens dos espíritos.
Como falei lá no início do texto, é muito simples... o médium é que complica
tudo! (risos)
Ética entre as religiões e terreiros
As
religiões são responsáveis em explicar a morte. Isto eu aprendi na faculdade.
Além disso, agrego como função das religiões a capacidade em explicar a nossa
existência. Assim forma nascendo as religiões, cada qual com suas
intencionalidades e paradigmas.
Aqui
me atenho à Umbanda, nascida há mais de 100 anos, ainda um bebê. Aos 17 anos
perambulei nas religiões para me encontrar, mesmo sendo de outra religião desde
pequena. Conhecendo várias me encontrei na Umbanda. Rezo hoje mais de 6 horas
seguidas sem me cansar e pasme: faço isso alegremente! Realmente amo a minha
religião.
As
pessoas deveriam fazer o mesmo antes de se decidirem qual religião seguir.
Muitas, se não for a maioria, acaba seguindo o que o pai ou mãe ensinou em
casa. Pais estes que também seguiram o que lhes foi passado e etc. A tradição
passada de geração para geração é muito bonita, desde que seja pela prática da
liberdade. Hoje vemos religiões se atacando. Uma se dizendo ser melhor do que a
outra. Medem a quantidade de fiéis, de bens... mas deveriam medir na verdade a
quantidade de atrocidades que acontecem. É nos erros que medimos nossa valia e
não nos acertos. Quanto menos errar melhor.
Onde
está a ética se uma religião prega que a outra não presta, que é do demônio? A
mesma pergunta eu faço para quem fala mal de um terreiro ou de outro? O assunto
é vasto, vai longe...
Entre
as religiões há sim o poder financeiro que comanda o desejo pela massa popular.
Quanto mais fiéis, mais moedas caem no caixa. Obviamente é melhor ridicularizar
as demais religiões já que eu não consigo ser verdadeiro e conquistar os
adeptos pelos valores verdadeiros que a fé ora defendida prega. Seria mais ou
menos assim: não confio no meu taco, então é melhor apedrejar a janela do
vizinho.
Entre
os terreiros há algo parecido. Também no quesito financeiro como do “poder”
energético. Sinceramente, não me preocupo com isso. Me preocupo com meus
filhos: se estão sorrindo, se estão caminhando bem na evolução espiritual e se
conseguem transpor as dificuldades da vida material. Uma pessoa que considero
muito me falou, e não só uma vez, que o terreiro o qual dirijo está em
evidência. Realmente, deve estar. Talvez por eu não querer nada além de abrir
uma gira e terminar com alegria e ter a satisfação de ajudar meus filhos. Esta
relação despreocupada com o que vão dizer ou pensar me faz ser serena e boba.
Serena porque não estou preocupada com o que dizem, pois sei o que faço. Boba
porque mesmo os que falam mal me procuram e ajudo da mesma maneira.
Esta
ética entre os terreiros também é muito simples: não fale mal dos outros, pois
quem fala mal é espelho da maldade. Propagar verdades inerentes aos fatos é o
mesmo que cuspir para cima. Muitas pessoas entram num terreiro falando mal do
qual saíram. Isto é antiético. Mal sabe o médium que o pai/mãe de santo já fica
com o pé atrás... Mudar é preciso, mas sair falando mal é maldade. Se algo não
lhe serve, não use, mas também não saia difamando. Seja ético!
Pai/mãe
de santo que desfaz de outro é a mesma coisa, tão simples como tudo o que já
descrevi até agora. É medo de não ser suficientemente bom para manter seus filhos
na corrente e ajuda-los verdadeiramente na caminhada ou puramente ego elevado.
Axé
Terreiro Vovó Benta- Curitiba
http://www.vobenta.com/